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“Ela”

“Ela” buscou um pouco de si para dar a muitos; refletiu o espírito de aventura e jovialidade que gritavam seu nome, cada vez em que entrava no palco dos prazeres masculinos, em consonância com a adoração fortuita que toda uma sociedade elegeu para seguir, no ritmo frenético de uma dança que parecia não ter fim…

“Ela” se reprimiu em sua essência mais genuína e revelou seu ar mais teatral em alto em bom som, em cada gemido providencial que soltava quando estava acompanhada de seus muitos admiradores. Ela se cuidou e exagerou; mutilou-se e estragou parte do que a natureza lhe conferira com boa vontade e generosidade. “Ela” se agrediu em milhões de dietas, esticou, descoloriu e amassou seus cachos em busca do perfil das gringas, e tentou crescer com a ajuda de plataformas que lhe conferiam poder e calos. “Ela” foi em busca de uma posição no mercado de trabalho e encontrou sorrisos e acenos carinhosos; ouviu um tanto de coisas que, ao final do dia já não encontrava defeito ou maldade verdadeira; passou a achar que era normal servir sua beleza produzida em pratos pequenos, a serem servidos durante mais um jantar de sexta; fez-se de muda, de surda, de cega.

“Ela” entregou boa parte da sua saúde ao primeiro homem que tirou sua virgindade, outra parte para um tanto que a penetraram sem preocupação se ela estava gostando, querendo ou apenas servindo. A parte saudável que lhe restou, “Ela” deixou para poucos, apenas para aqueles que conseguiram compreender o que a fazia sorrir de verdade.

“Ela” caminhou um tanto até alcançar um lugar de aconchego, nos braços do seu sofá, recheado de conforto e proteção, e longe de todos que precisam admirar o lado bonito que ela sempre mostrou. Ela fingiu ser feliz em um mundo desenhado para mulheres atraentes e fez-se de sensual quando só o que queria era um abraço sincero e um saco de pipocas bem grande ao lado de alguém que lhe estendesse as mãos (e nada mais).

“Ela” queria ser ouvida e queria ter oportunidades reais, mas sabia o preço que teria que pagar para continuar. Resolveu, então, desistir de tudo e entregar-se ao mundo cinza dos sonhos em que hibernava uma “Ela” plena de si e não escrava dos desejos dos outros. E foi quando, de repente, viu um grupo de outras “Elas” gritarem indignadas do lado de fora do pequeno bairro em que vivia, clamando por justiça e condenando os olhares, as palavras e os gestos inapropriados que definiram toda uma geração de fêmeas doutrinadas para o prazer de uns, em detrimento da escolha delas.

“Ela” hoje consegue escolher seu caminho, com a certeza de que não precisará suportar o peso do assédio que sofreu por toda sua vida…

Fui! (Lutar…)

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