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A MOR



Segundo Lacan estamos sempre à procura de um objeto A, com o qual identificamos nosso desejo. Esse objeto indefinível toma todos os tipos de formas físicas e ideais, fazendo com que passemos a vida o perseguindo. Uma vez alcançado, o objeto A deixa de ser o que era como desejo, dando seu lugar a outro A. E assim seguimos, de A em A, ou de A à Z, se pensarmos em todas as paixões acumuladas ao longo dos anos, nos contatos do telefone… Está chegando o dia dos namorados! E você? Tem ou não tem aquela pessoa especial? Aquela que é, como diz a canção,  “Tudo que um dia sonhei pra mim”? Um “a MOR?”

Essa pergunta terrível e duvidosa, nos faz pensar em relacionamentos celebrados pela nossa cultura romantizada e excludente. Mas ao contrário de objetos de puro desejo, os parceiros estáveis ocupam outro lugar, há estudos que dizem que a paixão dura de seis meses a dois anos, apenas.


Que bom, né? Porque estar apaixonado equivale a síndrome obsessivo compulsiva no cérebro, quimicamente. Mas isso não importa. O que importa é o tamanho do estrago que ela causa. E se você tem “a MOR”, sabe que, sem ao menos planejar, já cortou o cabelo… Olhou de forma crítica para o seu guarda-roupas, começou a fazer academia, cortou o glúten, resolveu estudar. De repente, esse desejo enorme te arrastou para gastar um valor que não deveria, ou até mudar de cidade, fazer tatuagens. Nada está a salvo do furacão “a MOR” que passa levantando a poeira das nossas vidas.


Mas e se realmente nos contentarmos com aquele amorzinho mesmo? Aquele, que não é tudo aquilo, mas também, não deixa de ser… Vocês sabem bem do que estou falando. O amor confortável e certinho que vai ficar bonito do nosso lado e ainda sem (ou quase) dor de cabeça.  Aquele amor que é a convivência tranquila da rotina, o amor que é a estabilidade e não o terremoto interno, o que dura, porque já não é mais “a MOR.” É só uma pessoa normal ao nosso lado, com suas qualidades e defeitos, querendo dividir conosco nossos dias.


Somos levados a crer que esta é a reposta certa, não é verdade? Paixão passa, amor fica. E fica, fica, fica. Até a gente não aguentar mais. E quando a gente menos espera, lá está o “a MOR” batendo na nossa porta, ou ainda, na porta do nosso cônjuge. E que bom que esteja porque são mesmo os nossos desejos que nos levam a evoluir e caminhar na direção da nossa felicidade. Mesmo que nos dê insônia. Mesmo que exija academia às seis horas da manhã. Mesmo que essa tal felicidade mude sempre de lugar!


É justo essa luta, interna e externa, capaz de nos tirar o fôlego e dar taquicardia, que faz brilhar os nossos olhos. Aprender coisas novas. Renascer. E ultimamente andamos muito confortáveis dentro de nossos pijamas, nesses anos de pandemia. “a MOR” dói. Dá trabalho. É impermanente e finito, por natureza. Assim como nós.


Penso que somos mesmo esse “a MOR” do Universo, que nos fez, e cá estamos para levantar poeira. Por pouco tempo.


Matéria de Julyana de Oliveira para a coluna LGBTQIA+

Encontre-a no Instagram @eradelaoriginal


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