top of page

A sabedoria poliamorosa


É com muito prazer que continuo a nossa conversa sobre relacionamentos não monogâmicos consensuais. Eu tinha dito que traria algumas impressões baseadas no último livro da Jessica Fern, Polywise e aqui estou eu, sorrindo - porque expandir sabedorias faz muito bem e achei o título gracioso. Mas, afinal, o que define a sabedoria poliamorosa em um mundo onde o padrão monogâmico prevalece, trazendo consigo expectativas de exclusividade, suficiência e contenção? 


Antes de responder a essa pergunta, recomendo ter em mente que paradigmas religiosos, econômicos, políticos e culturais enquadram as nossas realidades, guiam expectativas, marcam nossas preferências. Você acha que relacionamentos monogâmicos são “mais naturais” e “moralmente corretos”, nos pergunta a simpática Fern? Na era vitoriana não nos era tampouco permitido pensar, enquanto mulheres, questões relacionadas à liberdade, prazer sexual, ou algo tão simples e fundamental como tocar os nossos próprios corpos com lascívia. Podemos notar como as normas sociais e culturais restringiam — e em muitos lugares, ainda restringem — a liberdade individual, especialmente no que tange ao prazer e à expressão da sexualidade das mulheres.  


Vocês têm percebido como o tema das não monogamias tem aparecido mais nos discursos contemporâneos? A ascensão das conversas sobre não monogamias e nos discursos contemporâneos é um sinal dessas mudanças. Mas a transição entre paradigmas não é trivial. É um processo que exige tempo, reflexão e paciência. Desconfie de quem espera que de um dia para o outro, por mais que racionalmente inclinadas, as pessoas vão se sentir seguras e plenas e “descontruídas”. Além disso, fatores bio-psico-sócio-culturais influenciam as nossas escolhas, pesquise.


Tendo em vista que o paradigma predominante é monogâmico, sabemos o que é esperado nesse formato de relacionamento: uma pessoa por vez, exclusividade, olhos e desejos apenas para ela, atenção, tempo e prioridades também. A projeção de ser “suficiente” para o outro passa a ser um requisito precioso. “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”, lembro de ouvir o conselho quando jovenzinha. A sabedoria monogâmica seria conter os impulsos para fora da relação, restringir contato ou intimidade emocional ou sexual para fora do relacionamento, “valorizar e contentar-se com o que se tem”, fazer escolhas, abrir mão.  


Para pessoas que optam por relacionamentos abertos (em sua multiplicidade de formatos), qual seria a expectativa de sabedoria? Jessica Fern, que escreveu também o festejado Polysecure (Segurança poliamorosa), retoma temas como o estabelecimento de acordos justos, o enfoque massivo na comunicação, reconhecer gatilhos pessoais, gestão de conflitos, administrar o tempo, ficar atento às negligências, saber navegar nas águas tumultuadas do ciúme, o foco na autoestima e a chave de ouro: a prática de mindfulness


É impressão minha ou todas essas propostas soam interessantíssimas também para quem vive em laços monogâmicos? Acredito que você tenha pensado o mesmo: independente do formato da relação escolhida, um profundo trabalho de autoconhecimento, autoestima e desejos são muito bem-vindos. A sabedoria poliamorosa tem o seu charme. Te espero! 


Referências: 

Fern, Jessica. Polywise: a deeper dive into navigating open relationships. Scribe: 2023.

Fer, Jessica. Polysecure: attachment, trauma and consensual nonmonogamy

Fotografia de Andrea Belluso


Ilana Eleá para a coluna Não Monogamias

Encontre-a no Instagram: @ilanaelea


bottom of page