Viver na América tem seus encantos, mistérios e medos. Hoje quero contar um “causo” de muito medo que passei, mas antes queria lhe perguntar: você já parou para prestar atenção na chuva?
Imagino que, assim como eu, você vê a chuva, sente a chuva, se molha na chuva, mas nunca prestou atenção na chuva. Eu me lembro do filme Forrest Gump – O contador de histórias, em que o personagem dizia que chovia de baixo para cima. Ele, ao servir na guerra, ficou por horas deitado na chuva e prestava atenção nos pingos de água que batiam no chão e subiam. Você se lembra da cena? Se não viu, eu recomendo esse filme de 1994. Assim como ele, eu também tive a minha experiência com a chuva — na verdade, com a tempestade — e vou dividi-la com você.
Apenas para você entender a diferença: a tempestade é um acontecimento meteorológico de grau severo ou adverso. É marcada por ventos fortes, com rajadas muito fortes, trovoadas, relâmpagos e precipitação forte de chuva ou granizo. A chuva é um fenômeno de queda de água forte ou constante.
Então, voltando ao meu “causo”, após o meu primeiro verão na América, passei um dia lindo de setembro. Nada muito quente, mas uma brisa ao final do dia anunciava que viria chuva à noite. A casa onde eu morava e trabalhava era de frente para o mar, linda, cenário de filme, e eu tinha o meu quarto na parte de baixo da casa, no basement (porão).
Nessa noite, ao começar a chover, eu quis apreciar a chuva — estava sem o que fazer, mal entendia o que se falava na TV, então tentei me distrair com a chuva — e foi assim que passei o maior medo “antecipado” da minha vida.
Tenho a cena vívida em minha cabeça até hoje. A princípio, achei que a chuva estava forte, muito forte para o meu gosto, mas continuei assistindo. A chuva forte se transformou em rajadas de vento, igual aos filmes de terror. As portas trancadas rangeram com a força do vento. Os relâmpagos iluminaram o mar, e eu pude ver as ondas gigantes quebrando e invadindo a praia. A casa ficava com o pé na areia, literalmente, e o medo de o mar invadir a casa me aterrorizou a cada nova rajada de vento ou relâmpago. O medo — ou melhor, o pavor — de olhar para a casa sendo iluminada era assustadora. A sensação que tive era de que os móveis e quadros se mexiam, uma cena muito ruim. Eu fiquei dividida entre assistir ao mar, prestar atenção nas portas e janelas, para que não abrissem, e rezar para Santa Bárbara fervorosamente. Na minha cabeça, eu ia presenciar um novo tsunâmi, e aí tudo ficou pior, porque eu me lembrava das cenas do tsunâmi na Ásia e o medo cresceu cada vez mais.
Na minha cabeça, precisava de um plano B. Eu só pensava em deixar a casa (mas ir para onde?), pegar o carro e dirigir para longe do mar (mas para onde, se eu mal conhecia a região?), ligar para alguém e pedir socorro (mas eu estava realmente em perigo?).
Querida leitora, você não imagina quantos pensamentos passaram pela minha cabeça em um minuto, o que dirá em horas de tempestade. Mentalmente, consegui me despedir de todos e até pedir desculpas a alguns.
A noite virou interminável e eu passei a noite ali, de pé, esperando a tempestade se acalmar, rezando para Santa Bárbara me proteger. Mas como o ditado diz: “depois da tempestade, vem a bonança”, ou seja, vem um tempo bom. A tempestade passou por volta das três da manhã, e a chuva tomou o cenário central. Eu, cansada de ficar de pé, com sono e depois de muitas ave-marias e pai-nossos, desci e dormi de cansaço. O medo de ser acometida pelo mar, de inundar o porão, de morrer afogada, de não ter ninguém para ligar e me socorrer foi o primeiro desafio de medo pelo qual passei. Todos os outros pelos quais já passei até aqui ficaram bem menores, perto dessa noite de horror americano.
Na manhã seguinte, acordei morta, pois havia dormido pouco, e o estresse do medo tinha me deixado esgotada. Acordei, corri para a frente da casa, e o mar estava plano, calmo, como nunca vi em nenhum outro lugar por onde já passei. As ondas quebravam quase que na areia, o mar havia trazido bastante sujeira do alto-mar para lá. Fiz minha caminhada antes de começar o trabalho. Agradeci a Santa Bárbara a noite e o aprendizado que havia passado.
Até hoje, quando ouço a palavra storm (tempestade), fico esperando pelo grau que os meteorologistas vão dar. Depois da primeira tempestade na América, comecei a acompanhar os relatórios do tempo e, até hoje, quando ouço sobre storm, peço que venha durante o dia, nada à noite. A noite foi feita para dormir em paz!
Matéria de Ana Anselmo para a coluna minha vida em NY
Encontre-a no Instagram: @anaanselmo_babyplanner