top of page

Arbitragem Carrasca

Por Giovana Carvalho

Dia de final da Libertadores. Estou no Rio de Janeiro. O Flamengo irá competir. Palmeiras é o adversário. Apenas camisas rubro-negras pela cidade. Emoções à flor da pele. Eu, flamenguista, nervosa. Meu pai, flamenguista doente, mais nervoso ainda. Estamos os dois sentados no bar horas antes do início do jogo. O bar, completamente lotado. Murmurinhos aqui e ali. Apostas para o resultado. Cerveja na mesa.

Na espera pelo jogo, como uma boa adolescente ansiosa, recorro ao celular. Logo de cara, vejo um tweet de um garoto sobre como em dias de decisão como esses aparecem sempre os torcedores “falsos” e “modinhas” e como isso o irritava. Fiquei incomodada na hora. Só agora, decidi discorrer o sentimento.

Meu primeiro brinquedo de quando eu era uma recém-nascida foi um chacoalho de um cachorrinho vermelho e preto apelidado de “Mengo” dado de presente pelo meu pai. Tenho ele até hoje guardado com um carinho imenso. Porém, nunca me colocaram numa escolinha de futebol ou me levaram para jogos. Só fui quando eu mostrei interesse, isso já pré-adolescente. Minhas amigas não falavam de futebol, nem assistiam. Ninguém me chamava para assistir. Nunca fui estimulada nesse meio.

Já os garotos, com 5 anos já ganham uma chuteira. São matriculados na escolinha de futebol. O tema das suas festas de aniversário? O time do coração. Vão desde pequenos com os pais para o estádio. Pré-adolescentes, ganham videogame da FIFA para jogar. Rebem de presente camisas do uniforme do seu time. Marcam com os amigos de assistir aos jogos. São levados para conhecer os jogadores. Entendem em que ponto eu quero chegar?

Fiquei incomodada com o tweet porque a maioria dos homens que reclamam dos torcedores falsos estão indiretamente direcionando essa mensagem às mulheres. Quando uma fala que gosta de futebol, já vêm uns 10 pedirem o nome do técnico do time em 1970, nome de 5 jogadores titulares de 89, nome dos fundadores do time, duvidam se ela sabe o que é impedimento, e a lista nunca acaba. Muitas mulheres começaram a torcer só agora e uma parte considerável sabe de pouca coisa mesmo! E isso não diminui a validade delas como torcedoras.

Elas começaram a torcer recentemente não porque o time está na “onda de sucesso”, mas porque só neste momento tiveram autonomia o suficiente para entender que gostam de assistir ao esporte e de torcer. Quase nenhuma mulher foi influenciada a ser uma torcedora convicta desde criança, ao contrário da esmagadora maioria dos garotos. Só descobrem o amor pelo futebol na adolescência, no início da vida adulta ou até posteriormente, pois, muitas vezes, é só nessa época que elas sentam para assistir a um jogo. E por vontade própria. Coisa que homem nenhum entenderia.

Então sim, me incomoda essa espécie de comentário. Acompanhei em 2021 toda a campanha do Flamengo. Desde o início com Ceni até a caída infeliz de Renato Gaúcho. Foi decepcionante para mim ver a derrota na Libertadores posto que vivi toda jornada com o time, desde a fase de grupos até a final. Preciso assumir que realmente é chato ver gente chegando pra torcer só quando a gente já está com um pé dentro do título porque a pessoa aparenta estar lá apenas para os momentos de felicidade. Entretanto, o mais importante para o time é quando estão com ele no fundo do poço.

Comecei a gostar de futebol tarde, comparado a outros torcedores que conheço. Por isso, nunca farei um comentário desses, porque é desmotivador para quem está começando a gostar com “atraso” que nem eu, que são, em sua maior parte, mulheres. Estaria diminuindo minha eu do passado que se interessou pelo esporte. Seria hipócrita para mim, como mulher, me posicionar dessa forma.

E vamos combinar, é ilógico ser juiz ou termômetro de o quão torcedor alguém é. Pode-se torcer assistindo a um jogo ou outro ou ser um torcedor apaixonado que assiste até os jogos Sub17 e está tudo certo. Pessoalmente, enxergo todas essas formas como válidas. Não existe nenhuma obrigação para poder apoiar o time o qual o indivíduo simpatiza com ele.

Para as mulheres que desejam se aprofundar com maior intensidade no ramo futebolístico, reconheço que é um caminho muito mais duro do que para uma torcedora informal como eu. Começando pela discrepância salarial e de audiência – mas não de qualidade – de jogadoras e partidas do futebol feminino. Esse preconceito também se alastra para técnicas, jornalistas esportivas e diversas outras modalidades de cargos e diferentes esportes.

E convenhamos que tem mulher que sabe para cacete de futebol – perdoem o palavreado – mas bem mais do que muito homem por aí que se auto intitula o maior torcedor do time. E mesmo assim elas são tratadas como inferiores. Justamente porque existe uma presunção errônea de que toda mulher não sabe nada de futebol. Porém como esperam nos isolar completamente de um assunto e que depois nós saibamos tudo instantaneamente?

Conversando com uma amiga sócia estatuária do Vasco, que entende muito mais do esporte do que eu, tomei conhecimento de alguns tratamentos que eu não estava tão familiarizada . Ela, que frequenta mais eventos em prol de seu time, me contou que é continuamente sexualizada por estar no meio futebolístico. Quando os homens veem uma mulher tão apaixonada por futebol, começam a enxerga-la como objeto de desejo e não a levam a sério como torcedora.

E convenhamos que tem mulher que sabe para cacete de futebol – perdoem o palavreado – mas bem mais do que muito homem por aí que se auto intitula o maior torcedor do time.

E se eles não agem dessa forma, começam a enxergá-la como um “brother”, “camarada”. Em outros termos, começam a tratá-la como um homem no corpo de uma mulher uma vez que, na cabeça deles, só um homem pode entender tanto de futebol assim. É um desapontamento ininterrupto das torcedoras mais engajadas não serem abordadas como mulheres que sabem sobre o tema. Ou são sexualizadas, ou tratadas como homens.

Logo, minimamente, os homens deveriam ser pacientes e ajudar a estimular suas amigas que estão começando a se interessar pelo esporte, e não as desencorajarem com comentários arredios. É importante entender que pessoas de gêneros diferentes tiveram criações distintas e foram provocados de formas desiguais. Apesar disso, não significa que a realidade precise se manter dessa forma. O curso das águas pode mudar, e pode-se lutar contra ou a favor disso.

Matéria de Giovana Carvalho para a coluna Empoderamento Feminino

Encontre-a no Instagram @giovanacarvlho

bottom of page