Em incessantes minutos eles me convidam a partir e sou levada ao extremo da minha ignorância para me ater a um segundo sem paz ou penitência. Um segundo de nada, seguido por intercaladas noites de frio que se desfazem com o anúncio da alvorada.
É o remédio das almas que adormece o coração dos pecadores, que refugia o mal dentro de si e expulsa as mágoas do horizonte de quem quer ver além. É este plano que rompe o silêncio dos vivos e que transita junto a estes o bem que está à espreita, mas que só alcançamos com vontade.
Parto em minutos que se cansam de esticar, em memórias oportunas de tudo o que é verdadeiro e impensado; sou forte o suficiente para levantar, mas não sei se quero seguir adiante com novos amigos a me rodear.
Preciso de calma para deixar este corpo que me pede constantemente para ficar, preciso de coragem para dizer adeus e de mais um pouco de tempo para me acostumar.
Na alvorada, as almas se levantam e seguem em direção ao nada, que está cheio de vida e cheio de paz, em um vasto espaço de tempo, que é inóspito e sereno. Não me nego a seguir com elas, mas escolho entrar por alguns segundos em um espaço reservado para a minha alma, um cantinho que é só meu e que esteve trancado por tanto tempo. Relembro as dores e as angústias, vejo o meu eu tão pequeno e inocente. Recolho as mazelas que ficaram pelo caminho, limpo o espaço que meus pés percorreram e percebo as marcas que ficaram na estrada. As cicatrizes que deixei em mim e nas pessoas que cruzaram o meu caminho…
Não consigo enxergar além de mim, a culpa que me é cotidiana, talvez porque já esteja curada, talvez porque já não importe mais. Escondo-me neste rincão com a promessa de não fazer barulho. Tento fingir que ainda tenho tempo e que a alvorada não vai chegar tão cedo. Tento aliviar o peso das minhas pernas dentro de algum pilar sólido no sótão empoeirado da minha mente, mas o que vejo são estruturas que estão prestes a cair, em um palácio de ilusões que vai desmoronar a qualquer momento, assim que a alvorada chegar.
Então, levanto-me e saio em direção a esse nada, cheio de novas oportunidades e de novas formas de fazer o mesmo. Sigo em direção à minha nova vida, do lado de lá e também aqui. Em todos os lugares possíveis, os que já percorri e os que vou percorrer.
Porque agora que a alvorada chegou, não sou mais “eu” apenas. Agora sou um “eu” novo, um “eu” onipresente e eterno.
Fui! (viver enquanto não chega a minha alvorada…)
* Ganhadora do Prêmio “Poesia Agora” da Editora Trevo