Por que os homens sentem-se tão à vontade para ridicularizar corpos femininos, sobretudo, os negros?
Por Laura Queiroga
É muito difícil não saber quem é Will Smith. O ator norte-americano é famoso pela versatilidade, conquistando êxito em todos os gêneros dramáticos: desde a comédia, até o drama, passando por filmes de ação, aventura e suspense. No entanto, deve ser mais difícil saber quem é Jada Pinkett Smith, atriz premiada, apresentadora consolidada e empresária de sucesso, que tem sua trajetória profissional reduzida ao rótulo de “esposa do Will”.
Jada é uma mulher de opiniões fortes, bem resolvida e que não tem medo de expor suas vulnerabilidades. E isso incomoda. Desde os anos 90 ela é alvo de zombarias, deboches e piadas por algumas pessoas, principalmente, homens. Segundo o doutor em direito antidiscriminatório, Adilson Moreira, em seu livro Racismo Recreativo, esse tipo de comportamento é um discurso de ódio camuflado em humor e está relacionado a estruturas de poder.
Chris Rock, apresentador que provocou um mal-estar com a família da atriz no Oscar 2022, já tem um histórico de alfinetadas com Jada. Um pequeno recorte do programa “The Chris Rock Show” nos anos 90, mostra o artista zombando dela, durante a marcha Million Women, um ato de empoderamento feminino na Filadélfia, nos Estados Unidos, em 1997. Na premiação do Oscar, em 2016, ele debochou da atriz, mais uma vez, por seu ativismo, quando a atriz decidiu boicotar o evento por causa do #oscarsowhite – movimento que vários artistas protestaram em prol de maior diversidade na premiação mais esperada de Hollywood – Ele fez uma piada envolvendo outra mulher negra, a cantora Rihanna e afirmou: “Jada boicotar o Oscar é como eu boicotar a calcinha de Rihanna, não fui convidado”.
A gota d ‘água foi no evento do Oscar 2022, quando o comediante resolveu fazer piada com Jada Pinkett Smith envolvendo sua doença – Alopecia, que a fez perder os cabelos -. Tal atitude levou o marido da atriz a desferiu-lhe um tapa, para evitar que a família fosse ridicularizada ao vivo em evento mundial.
No vídeo, é possível perceber que Jada revirou os olhos demonstrando desconforto, e mais do que isso: costume. Costume em estar em posição de sofrer ataque, costume em lidar com piadas misóginas, e em ter suas vulnerabilidades ridicularizadas e menosprezadas. E isso é um reflexo de uma sociedade patriarcal e racista, onde os corpos de mulheres negras não são dignos de respeito.
Mas algo me chama atenção: por que os homens sentem-se tão à vontade para ridicularizar corpos femininos, sobretudo, os negros? Quantas “Jadas” são submetidas a esses constrangimentos no dia a dia?
No Brasil, segundo pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, 92% dos entrevistados afirmam que mulheres sofrem mais situações de constrangimento e assédio no ambiente de trabalho que os homens. Isso sem fazer o recorte de raça.
“Jada revirou os olhos demonstrando desconforto, e mais do que isso: costume. Costume em estar em posição de sofrer ataque, costume em lidar com piadas misóginas, e em ter suas vulnerabilidades ridicularizadas e menosprezadas…”
Adriane Reis, coordenadora nacional de Promoção da Igualdade e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP), afirma: “Vivemos em uma sociedade machista, o que significa que há uma compreensão dentro do nosso imaginário social de que os homens estão em posição de superioridade em relação às mulheres (…)”.
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, mulheres negras estão mais vulneráveis, com subempregos e pouco estudo. De acordo com dados de 2019, das mulheres que sofrem mais assédio 40,5% são pretas, 36,7%, pardas e 34,9%, brancas. Das mulheres agredidas – verbalmente ou fisicamente – só na rua, 32% são negras e 23%, brancas.
É preciso reconhecer o abismo estrutural que nos rodeia e só assim conseguiremos erguer nossas vozes em prol de uma mudança efetiva para derrubar a estrutura social.
Encontre-a no Instagram @laura_queiroga
Laura Queiroga é publicitária pela PUC Minas, pós graduada em Marketing Digital e pesquisadora do GrisLab UFMG. Integra o time de Comunicação do ID_BR, admira lideranças empáticas, comunicação humanizada e por ser deficiente auditiva, dá palestras sobre a Deficiência Física x Mercado de Trabalho.