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Desromantizando a maternidade



Quando recebi o convite para escrever sobre maternidade eu pensei: jamais darei conta. Porque como mãe de três crianças, todos meninos, um cachorro, casada, escritora, empresária e agora colunista, faço o maior estilo “Minha mãe é uma peça”, me viro nos trinta para dar conta de tanta coisa.


A agenda lotada de compromissos profissionais, escola on-line, babá afastada por licença maternidade, as crianças presas em casa por causa da pandemia, o cachorro que teoricamente não deveria latir, faz bagunça junto com as crianças… No final do dia eu já gritei, fiz mantra, rezei, gritei outra vez, chorei, me descabelei, estou exausta e cheia de culpa.


Então não, não tem como romantizar a maternidade. Vamos ser justas conosco e quebrar essa corrente que nos prende a essa ideia romântica de que ser mãe é padecer no paraíso. Precisamos disso. Precisamos olhar umas para as outras e dizer: “Eu sei, tem horas que a vontade é de sumir, senta aqui, vamos conversar.”


Acho que a melhor maneira de desmistificar a maternidade é começar do começo. E sim, vamos mesmo falar de uma sociedade patriarcal que nos amarra a uma ideia de que mulher é guerreira, cuida de tudo, trabalha, sustenta e claro sobre um salto de quinze centímetros. Quer a verdade ou prefere a ilusão? A verdade é que essa mulher muitas vezes se esconde no banheiro e chora. Chora mesmo. Porque não é certo, não é justo, não é lindo nem romântico como nos prometeram.


Quando entramos em uma loja de brinquedos temos setores muito bem divididos, um lado para as meninas, um lado para os meninos. Sejamos justas, o dos meninos é bem melhor, certo? Do nosso temos bonecas cada vez mais parecidas com bebês de verdade, que choram, chamam a mamãe para trocar a fralda, querem ser alimentados, trocam de roupas, precisam ser penteados e acarinhados.


Existe de tudo neste mundo de faz de conta. Uma cozinha perfeita cor de rosa, ferro de passar roupa, conjunto de xícaras e panelas que atiçam o nosso gosto por uma casa bem cuidada. Ou seja, desde crianças somos criadas para sermos mães, porque é lindo, é romântico, é uma dádiva. Filhos são sempre um presente de Deus.


E são, não vou mentir. Não


estou aqui para endemoniar a maternidade. Amo ser mãe. Sempre quis ser. Mas preciso dizer que não é como um comercial de margarina e está tudo bem. Quanto mais enxergarmos a realidade, mais deixaremos que o peso saia dos nossos ombros. Mas isso é papo para uns vinte ou trinta artigos, quem sabe?

“Ser mãe não é padecer no paraíso. Ser mãe é se reinventar o tempo todo para caber em regras que não criamos e não precisamos aceitar.”

O problema é que nas brincadeiras de criança não sabemos que a criança vai chorar, querer comer, trocar a fralda, ser acarinhada, dormir e acordar, tudo ao mesmo tempo. E também não sabemos que as roupas precisam ser passadas, as xícaras lavadas, as panelas estão queimando no fogo, a criança está chorando, precisa trocar a fralda… Ninguém nos avisa que vamos olhar para fora da janela e


enxergar que a vida continua enquanto estamos presos naquela casinha de bonecas com tudo acontecendo ao mesmo tempo.


Também não nos avisam que sentiremos saudade das amigas, da rua, das farras, das saídas e que só de sentirmos falta disso, nos sentimos culpadas, porque a mãe é uma guerreira e ama seus filhos incondicionalmente, não é isso que nos dizem? Não podemos sentir falta. Não podemos nos aborrecer porque o marido continua indo para o futebol, não podemos nos incomodar por não nos acharmos bonitas, por nos olharmos no espelho e não nos reconhecermos. Não podemos nos importar com a falta de tempo para pentear o cabelo.


A verdade não dói, nem enlouquece. Olhar para você e reconhecer que tudo isso é real não significa que você não deveria ter um filho. Deveria. Deve se essa for a sua vontade. Mas seria tão mais fácil se tivéssemos quem segurasse a nossa mão e dissesse: “É assim mesmo, vai passar, e vai passar tão rápido que você sentirá falta.” Porque essa é a verdade.

Então, mulheres lindas e empoderadas, começando pelo começo; o lado de brinquedos das meninas é um saco. Não precisamos acreditar nisso, nem precisamos desistir deles, desde que tenhamos o direito de escolher o outro lado também. As bolas, os jogos, os bonecos, os blocos coloridos.


Não precisamos acreditar em uma sociedade que coloca uma boneca em nossas mãos e nos diz: você será uma linda mãe. Não precisamos fazer tudo sozinhas, a demanda da criança, as xícaras, as panelas, nada disso precisa ser algo só seu, como nos dizem que é. Aceite ajuda. Peça ajuda. Exija ajuda.


Ser mãe é uma delícia, mas é doloroso e complicado. Sozinha então… Talvez seja por isso que nossa fisiologia exija a participação de dois para formar um, para que dois possam dividir o peso e assim, de repente, o peso não existe, só o amor e a felicidade de poder se doar da forma correta, sem a culpa, sem o medo.


É isso. Ser mãe não é padecer no paraíso. Ser mãe é se reinventar o tempo todo para caber em regras que não criamos e não precisamos aceitar. É sobre isso.


Vamos desromantizar a maternidade?


Tatiana Amaral para a coluna Maternidade

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