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E se Anna Delvey fosse preta?



Sim, estamos no mês das mulheres. E não. Esta coluna não vai romantizar sobre a importância da data, mas sim abordar a realidade de como a experiência de ser uma mulher em nossa sociedade ainda é muito diferente entre as mulheres brancas e negras. Não fui atrás do tema, mas ele veio até mim enquanto assistia Inventando Anna, série da Netflix produzida em parceria com a Shondaland, produtora televisiva comandada pela roteirista Shonda Rhimes, no ar desde fevereiro deste ano.


Eu estava sentada observando as ações da golpista conhecida pelo nome falso Anna Delvey na plataforma, quando pensei: “E se Anna fosse uma mulher preta?”. Logo depois fiquei aterrorizada com as respostas que tive, pois dentro da minha própria linha de raciocínio fui levada a pensar que se ela fosse uma mulher negra, não teria sua vida glamourizada nas telas.  É contraditório porque o pano de fundo da série é o feminismo. Ao longo da trama, a personagem traz a ideia de que o mundo não é igual para homens e mulheres e que por conta disso ela foi condenada à prisão.


Isso acontece, mas no geral, o pacto narcísico da branquitude garante às relações entre os iguais, o que significa que raça vem antes de gênero. Dessa forma, o racismo estrutural cria uma vantagem para mulheres brancas quando se trata de questões como essa. Por isso, o feminismo dito universal não nos contempla porque ele simplesmente ignora as nossas demandas. Anna Sorokin foi presa por sete acusações, roubo de serviços, condenada por tentativa de furto em segundo grau e terceiro grau.


Além da pena de 4 a 12 anos de prisão, cumpriu apenas dois, sendo autorizada a cumprir o resto em liberdade condicional. Ela reativou suas contas nas redes sociais e recebeu US$ 320 mil da Netflix para ceder os direitos de sua história de vida para a série. Isso não causará espanto na maioria das pessoas. Por quê? Porque ela é branca. A vida da mulher negra é marcada pela sensação de não pertencimento e pelo não direito de existir. A inferioridade ao qual somos forçadas não nos permite nem mesmo desenvolver a mesma autoestima que a personagem da série.


Além disso, a própria divisão do espaço social é também racial. Somos questionadas até quando temos total condições de pagar por um produto ou serviço em algum lugar onde supostamente não é “lugar de pessoas negras”, ou quando simplesmente estamos em paz com nossos corpos. O Brasil hoje é o terceiro país que mais encarcera no mundo. No ranking de maior população carcerária feminina, ocupamos a posição de 4º lugar, com 37.828 mulheres, sendo 63,55% destas mulheres negras. Os dados são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN). 


E segundo dados do portal de notícias do Senado Federal, a necessidade de subsistência e a falta de alternativas para sustentar os filhos são os motivos que mais levam mulheres à prisão. Finalizo dizendo que o intuito não é encorajar atos criminosos, mas sim mostrar que desigualdades persistentes neste nível, deixam evidente que existem grupos sociais que sim, possuem o controle direto ou indireto sobre os sistemas institucionais que agem de forma mais branda com uns e mais severas com outros. Saber que isso existe também entre nós como mulheres, nos permite criar um olhar mais crítico e coloca em nossas mãos a responsabilidade de mudança.


Tatiane Alves para a coluna Várias Vozes

Encontre-a no Instagram @tatialvesreal


* Tatiane trabalhou na área de comunicação do ID_BR

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