Escolhi assistir a animação Divertida Mente 2 sem ler nenhuma crítica, análise ou comentário prévio. Comprei ingressos para uma sessão dublada de propósito, para observar a reação das crianças que estivessem lá, ao vivo. A amiga que foi comigo, a quem avisei ser uma “matinê”, se surpreendeu com aquele mar de pequenos ruidosos e disse: “Eu não tinha entendido que isto era o que você quis dizer com matinê!”. Pois é, cara leitora, obriguei minha colega a enfrentar os gritos, torcida, pipocas voando, mães passando copinhos de mate por cima da nossa cabeça e outros eventos típicos da aventura de encarar um horário infantil no cinema. Mas valeu a pena! Pelo menos para mim. Foi mal, Lu! Da próxima vez explico direitinho.
Minha única preparação foi rever o filme 1 e lembrar como foi genial a ideia de apresentar aos menores as nossas principais emoções e como cada uma impacta em nosso cotidiano. Nenhum de nós recebeu qualquer tipo de educação emocional. Até hoje, são raras as escolas e os pais que ensinam a seus filhos como lidar com seus sentimentos. É bem mais provável que você tenha escutado “Engole o choro!”, “Não faça drama!” do que “O que você está sentindo?”. Chegamos à vida adulta muito mais treinados em estratégias de sobrevivência, técnicas de recalque e ocultação do que sentimos do que práticas de auto-observação. Muitas vezes, na clínica, pergunto a um paciente “Como você se sentiu nessa situação?”. A resposta, na maioria das ocasiões, relata os pensamentos despertados pelos fatos. Quase nunca as sensações e sentimentos.
Eu aprendi muito sobre a importância de nomear nossos próprios sentimentos com a Comunicação Não-Violenta. No curso, recebemos uma vasta lista com emoções que nunca nos ocorreria imaginar. E eu já precisei ler parte desses exemplos em várias oportunidades, para ajudar o cliente a identificar o que se passava dentro de seu próprio organismo.
A partir de agora, este texto contém spoiler! Se você ainda não assistiu Divertida Mente 2, corra para o cinema. Se já foi, pode continuar a leitura.
Nesta empolgante sequência, encontramos a personagem principal, Riley, no início da puberdade, quando a bomba hormonal que nos invade desperta novos e assustadores sentimentos. Entram em cena a Ansiedade, o Tédio, a Vergonha e a Inveja. A caracterização desses novos componentes da nossa dinâmica mental é sensacional e muito coerente com a realidade. A Ansiedade é descabelada e dramática, a Vergonha é fofa e desajeitada, o Tédio é a perfeita tradução de um adolescente dos anos 2020 jogado no sofá, a Inveja – de forma otimista – é pequena e de pouca influência.
Minha experiência antropológica na sala de exibição mostrou que as crianças amaram! Interagiram com os personagens, berraram nos momentos tensos, aplaudiram os sucessos da trama. Já minhas pacientes adultas, quase todas, relataram choro compulsivo. Por quê? Não é só um longa de animação para distrair? Não, cara leitora! É uma aula de neurociência disfarçada de filme infantil.
Em nosso mundo turbulento, apressado, sobressaltado e estressado, presenciar as artimanhas da Ansiedade é como se ver no espelho. A cada vez que ela domina a cena e a pobre Riley não consegue se conter, nos vemos representados na tela. E dói! O Brasil é um dos países onde mais se consomem ansiolíticos e antidepressivos no planeta. Pobre planeta!
Estamos todas e todos adoecidos, em intenso desafio mental. Haverá saída? Os novos sentimentos que dominam a sala de controle do filme e nossas vidas reais não irão mais embora. Já era difícil administrar os sentimentos básicos, que recebemos de fábrica: Alegria, Tristeza, Medo, Nojo e Raiva. Quando os novos moradores se instalam sem pedir licença, a partir da adolescência e para o resto da vida, esse malabarismo se torna muitas vezes insuportável.
Como escapar, equilibrar, administrar? Antes de mais nada: faça terapia! Tá, foi o caminho que escolhi há exatos 43 anos, entre idas e vindas. Mas não é o único. Busque formas de aliviar o estresse sem fugir dele (ele não vai embora só porque você assim deseja). Faça atividades físicas prazerosas – qualquer uma que te agrade serve! Medite ou pratique Mindfulness que pode ser resumido como manter atenção plena em tudo o que você faz. Estar presente no aqui e agora é um dos antídotos mais eficazes contra a ansiedade cotidiana. Isto significa prestar atenção de verdade ao que você faz, em vez de realizar múltiplas tarefas, sempre com os olhos no celular. E, sim, diminuir o tempo hipnotizado pelas telas também alivia demais a tensão. Ande ao ar livre. Observe o céu, as nuvens, a chuva. Escute o canto de um pássaro, a risada de um bebê, o miado de um gato.
E lembre-se: nosso organismo, que é o único hardware que realmente possuímos, foi programado para correr de leões na savana, viver em coletivos, cooperar uns com os outros. Foram essas habilidades básicas que nos trouxeram até aqui. O resto é a civilização que pode ser maravilhosa, mas também muito desafiadora.
Busque uma harmonia com seus divertidamentes, aprenda a lidar com eles e boa vida para você!
Adriana Moretta para a coluna Ciranda da Terapeuta
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