O show histórico do Coldplay no Rock in Rio 22 trouxe momentos de alegria, entusiasmo e reflexão. Debaixo de muita chuva, o público cantava as canções emblemáticas e se deliciava com a enormidade de cores que invadiam o universo de cada pessoa, com todas as suas diferenças que as uniam em um enorme mosaico de puro amor.
E ali, no meio de uma multidão de almas que imploravam por um pouco dessa essência de adrenalina, resolvi voltar para casa e experimentar meu Coldplay no aconchego do meu sofá, quentinha e relaxada. Entendi que meu corpo, apesar de super saudável, já acusava o golpe do tempo e me pedia para aproveitar a maravilha desse emaranhado de emoções em um lugar menos molhado, sem esbarrões e com uma vista melhor que as capas de chuva de tantas pessoas muito mais altas que eu...
Fui embora com um sentimento estranho, um tanto feliz por finalmente poder retornar para casa sem ter que enfrentar uma epopeia para conseguir chegar em casa, disputando lugar com uma multidão exausta e encharcada; e um tanto frustada por não participar presencialmente deste grande evento do século.
A sensação de que tinha tomado a decisão certa chegou quando percebi que o retorno para casa, mesmo às 22:50 h e com poucas pessoas disputando lugares no ônibus Vip do evento, não estava sendo nada agradável. Eu, meu marido e minha filha molhamos nossos tênis em diversas poças a caminho do ônibus. Lá chegando, o frio de 16 graus estava congelando nossos ossos e, apesar do pedido de todos no ônibus, o motorista se recusou a elevar a temperatura.
Saindo do local do evento, percebi que o ônibus estava a uma velocidade enorme, em um completo desrespeito a todos que estavam ali, somente querendo chegar em casa com segurança. Temi pela minha vida e do meu marido, mas mais ainda pela vida da minha filha, que estava ali curtindo seu primeiro festival de música, como presente de aniversário de 13 anos... Sentia o ônibus inclinar levemente quando resvalava nos bolsões de água presentes na Avenida das Américas e achava que a qualquer momento um acidente poderia ocorrer. Imaginei que o motorista poderia ter ficado irritado com a moça da poltrona da frente que havia reclamado do frio; também pensei que ele poderia estar com pressa porque teria que retornar para o evento e, ao final, pensei que ele estivesse só mesmo irritado por estar trabalhando em um sábado à noite, servindo a pessoas que haviam acabado de se divertir.
Não sei o que motivou este homem a dirigir nesta velocidade, mas deixei de pensar nele quando conseguimos chegar no ponto de desembarque sem nenhum acidente. Saltamos do ônibus em uma chuva torrencial, já sem a capa de chuva vagabunda de R$15,00 que havíamos comprado no evento, uma vez que ela já havia rasgado toda.
O ônibus partiu em dois segundos após descermos e, o único táxi disponível no local estava indo embora em função de dois homens bêbados que o xingavam veementemente. Dei as mãos para minha filha e começamos a caminhar na chuva, no frio, com meu marido tentando chamar algum Uber ou táxi para nos buscar ali, naquele ponto deserto da Lagoa. Por sorte, cerca de 10 minutos depois, minha filha avisou que vinha um táxi, que resolveu parar para nós.
Chegamos em casa 23:55 h, bem a tempo de tomar um banho quentinho e correr para o sofá para acompanhar o show do século. Nossos filhos mais velhos se juntaram conosco no sofá e, até a Maria, nossa cachorrinha, se juntou à plateia mais caseira do Coldplay.
Vimos extasiados este show, que parecia mais um evento psicodélico, com luzes para todos os lados. Agradeci ao Chris Martin por entregar tanto amor na forma de canções, por reverenciar nosso povo, nossa cultura, nosso Brasil. Agradeci mentalmente todas as valiosas lições que ele passava ali, em cima daquele palco molhado, sempre sorrindo e festejando a oportunidade de poder entregar o melhor de si para uma multidão aflita por sua atenção.
Todos nós queremos um pouquinho deste olhar, deste carinho do Chris Martin, e acho que o grande segredo do sucesso do Coldplay não são suas músicas fabulosas nem seus efeitos extasiantes; de certo, isso tudo faz parte do encantamento do show do século, mas o ingrediente fundamental, aquele que faz toda a diferença no repertório desta banda que leva a palavra "frio" em seu nome é justamente o oposto do que significa frio: é o calor humano que Chris traz para seu público. É o calor de quem se importa com a felicidade de quem está há horas debaixo de chuva ou de quem foi embora com o coração apertado por não ter ficado para ele.
E esse cuidado tem uma cor muito especial, uma cor que não estava ali no repertório programado do show e que não poderia ser vista, mas sentida. Essa cor quente era a "magia" que foi entoada como hino e que, de uma certa forma, ajudou a consertar muitos de nós que souberam aproveitar um pouco dessa luz.
E ali, no calor do meu sofá e ao lado dos que mais amo no mundo, o Coldplay aqueceu meu coração. E quando vi o Chris Martin cantando "Fix You" percebi o quanto de mim já havia sido curado a partir do momento em que optei por seguir meu coração e fazer o que realmente me deixaria mais feliz.
Espero um dia poder curtir o show do Coldplay ao vivo com uma pulserinha colorida, mas por hora vou curtir todas as cores que envolvem a maravilha da minha vida, sentindo em cada tom a energia certa que eu preciso para seguir.
Fui! (descansar do show...)