Para quem acompanha o meu trabalho desde o começo, estranhou quando os meus livros deixaram de ser simples romances e se tornaram romances com erotismo. Certamente não foi do dia para a noite que a mudança aconteceu. Esse lado mais “solto” para falar sobre determinados assuntos, sempre existiu em mim; portanto, não foi tão difícil de reencontrá-lo.
Ainda no ensino médio, nas rodas entre amigas, o papo sobre sexo surgia com naturalidade. Compartilhávamos sobre as experiências sexuais de cada uma da mesma forma que discutíamos sobre qualquer outro tema.
Em casa acontecia o mesmo e essa foi uma das razões que tornou minha irmã, minha mãe e eu melhores amigas. Era bom poder falar sobre isso com as pessoas que eu mais confiava, e essa troca de segredos, fez com que o assunto deixasse de ser um tabu.
A razão pela qual fui tão longe nas lembranças, é para chegar até o dia em que precisei perder a vergonha de escrever a respeito de sexo. Apesar de ter crescido falando e ouvindo sobre, encontrei um bloqueio durante a escrita. Provavelmente porque os livros os quais eu folheava, nunca tocavam no assunto diretamente. Costumavam ser aqueles clichês de “E eles se amaram a noite toda” (que eu, particularmente ainda amo). A leitora libertina escondida dentro de mim, ficava enlouquecida. Ela queria saber onde o mocinho tocou na mocinha e o que ambos sentiram durante o ato. Esse tipo de conteúdo demorou para chegar até a minha estante.
Até que comecei a me aventurar por outros tipos de gêneros por mera curiosidade. Quando encontrei o primeiro “pau” em uma obra, fiquei embasbacada, mas senti a leitora libertina dentro de mim dar pulos de alegria. Eu costumava pensar que em livros não existiam palavrões e muito menos cenas explícitas de amor. Inclusive, eu mesma abordava uma linguagem mais rebuscada nas minhas histórias. Qual foi a minha surpresa ao descobrir que podia me libertar dessas amarras?
Quando descobri esse novo universo, eu não parei mais. Entrei em grupos do Facebook onde o gênero era consumido em demasia e me senti cada vez mais acolhida. No entanto, ainda existia um bloqueio na hora de escrever. Afinal, um livro é capaz de atravessar fronteiras. É uma exposição muito maior do que discutir intimidades em uma roda de cinco amigas. A gente nunca sabe em que mãos uma obra acabará, e por mais que afirmemos que é tudo ficção, há quem não sabe separar um escritor da sua obra. Temia escrever sobre BDSM e a minha sogra, por exemplo, achar que seu filho me dava chicotadas enquanto ela assistia televisão no quarto ao lado – não que não acontecesse, é claro (risos). Enfim, eu não me sentia pronta para uma exposição dessa magnitude.
Até que, num belo dia, fui desafiada por minhas leitoras a escrever “pau” no meu romance. Não sou capaz de enumerar quantas vezes digitei a palavra e apaguei. Foi quando o Wattpad apareceu no meu caminho e não tive escapatória. As leitoras me desafiavam a cada capítulo quente postado e eu nunca fujo de um desafio. Escrevi o bendito “pau” e soltei para o mundo.
Querida amiga, daí em diante, foi ladeira a baixo.
Comecei aos pouquinhos e as meninas perceberam a minha liberdade na escrita, o meu verdadeiro “eu” conversando com elas. Eu estava inteiramente entregue à história e não há nada mais satisfatório para um escritor, do que conseguir se conectar cem por cento com seus personagens.
Por mais bobo que pareça, não são apenas cenas eróticas. É uma conquista. Ainda vejo muitas colegas escritoras que deixam de escrever algo que gostam por receio do que os outros pensarão. Não é incomum ver por aí parceiros que abandonaram suas esposas pelo simples fato de ela escrever erotismo. Ou alguma outra que usa pseudônimo para não ser identificada e se sente chateada por não conseguir ter uma comunicação direta com seus leitores.
Eu me podava por medo de parecer vulgar, por medo de pensarem que tudo o que escrevo, eu pratico. Medo da conversa nos almoços de família, medo dos homens acharem que de alguma forma isso era um convite para algo. Dentre outros numerosos julgamentos que ainda sofremos.
Falar abertamente de sexo, escrever sobre, não é um mar de rosas – ainda que você consiga lidar muito bem com a intolerância da maioria. Existe o tão asqueroso preconceito, tal como aqueles que afirmam que esse tipo de literatura não pode ser considerada, pelo simples fato de não compreenderem que esse gênero é uma conquista para nós, mulheres.
Ele vai muito além de uma distração. Ele contribui para a própria libido e a liberdade de expressão feminina. Quanto mais escrevo sobre o assunto, quanto mais o consumo, mais eu aprendo, melhoro a minha vida sexual e a minha autoestima.
Quantas mulheres não sabem que o orgasmo existe?
Quantas têm vergonha de dizer ao parceiro do que gostam durante o ato?
Quantas acham tolice olhar para o próprio corpo e descobrir onde gostam de ser tocadas?
Quantas não sabem que o prazer feminino é tão importante quanto o masculino e que ele deve ser comentado?
Hoje sou grata por ter me arriscado e por ter sido tão acolhida por meu parceiro que me incentiva a escrever qualquer gênero que eu me dispor. Assim como meus familiares (exceto meu irmão, que é um bendito pudico – risos).
Afinal, livros de romances são tão livros quanto qualquer outro.
Portanto eu digo, querida amiga: Continuarei tratando o assunto com naturalidade porque sei que, da minha personagem virgem à minha personagem mais libidinosa, há leitoras se identificando e se sentindo acolhidas. E é por elas que perdi o medo de ser quem de fato sou e de dar o melhor de mim a cada trabalho.
Cada medo vencido, é uma barreira que quebramos dentro de nós mesmos. E a cada barreira quebrada, um novo universo surge.
Se arrisque a conhecê-lo. Você pode encontrar a sua melhor versão nele.
R_Christiny escreve para a coluna Papo de Bordel
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