Estive na quinta edição da Ler 2022 – Festival do Leitor –, evento que recebeu cerca de 256 mil visitantes entre os dias 9 e 15 de maio, no Píer Mauá, e tornou-se Patrimônio Imaterial do Estado do Rio de Janeiro.
Fui em dois dias seguidos e fiquei impressionada com como a arte de escrever foi posta à prova, para mostrar que a literatura pode e deve ser abordada de forma multidisciplinar, junto a todos os outros tipos de linguagem. Todas as atividades aconteceram de forma simultânea, multimídia, em tempo real. E, como se o evento quisesse, em contrapartida, surpreender as pessoas que passaram por lá, mostras de José Saramago e Clarice Lispector ganharam um espaço especial.
Visitei com máxima atenção todo aquele universo em páginas escritas. Havia uma espécie de magia, dessas que só as palavras são capazes de criar. Eu, que ainda estou aprendendo a me render ao poder delas, vi velhos amigos e timidamente fiz novos por lá. Bati um papo de dez minutos com a Eliane Alves Cruz, jornalista e escritora, autora da obra O crime do cais do Valongo, um romance cujo desfecho – sem spoiler – todo mundo deveria ler, e fiquei chorando num cantinho pra ninguém me ver, mas minutos depois corri para o Maracanãzinho, onde ninguém brilhou mais que a autora Chimamanda Ngozi Adichie.
Antes do papo mediado pela filósofa Djamila Ribeiro, a também inspiradora Luana Génot subiu ao palco.
"Havia uma espécie de magia, dessas que só as palavras são capazes de criar."
Ela foi uma mestre de cerimônias generosa, e suas palavras empolgaram um público que, provavelmente, nunca antes tinha visto, em um mesmo evento literário, três mulheres negras juntas.
Eu mesma nunca tinha visto isso! As três autoras, protagonistas de suas próprias histórias, com trabalhos que impactam diariamente a vida de muitas pessoas, mulheres, negras e vivas. Vivas! Isso mesmo. Chimamanda, em um certo momento de seu discurso, disse: “Eu sou mulher negra e, se precisasse voltar à vida novamente, voltaria do mesmo jeito”.
Então, eu chorei novamente, assim baixinho e quietinha no meu assento privilegiado dentro do ginásio, e nem sequer ousei olhar pra cima, temendo que alguém me visse aos prantos. Não sei se vocês já tiveram a chance de viver uma epifania. Bem, eu tenho certeza de que vivi um naquele dia.
Eu estava totalmente imersa e comprometida com a sensação latente de esperança. Percebi que nossas trajetórias negras no mundo, ainda que fizéssemos muito esforço para tal, nunca são individuais. Elas sempre perpassam e atravessam mais pessoas, porque o passado é um fio ligado ao tempo presente. Talvez, por isso, ler seja tão necessário; ler sobre nós, sobre o mundo e sobre todas as outras coisas. Talvez, por isso, contar histórias também.
Em tempos em que pouco paramos para refletir sobre qualquer assunto, ler, escrever e compreender deveriam se tornar nosso compromisso diário. Nos dias em que estive na Ler, eu entendi: as maiores catástrofes e bênçãos da nossa vida humana têm como pano de fundo uma grande história. E, com isso, finalizo contando a vocês o assombro que vivi ao ver uma juventude reunida debatendo literatura com tranquilidade e confiança e todo mundo muito interessado em decifrar o fascinante mundo dos livros. Sim, leitoras, a juventude se fez presente. Unindo pós-modernidade ao clássico, eles estavam por lá em todos os cantos de olhos, ouvidos e bocas atentas; interessadíssimos em compreender tudo, para construir um futuro que resista por mais tempo ao nosso esquecimento, e em reafirmar que ler é o maior barato.
Tatiane Alves para a coluna várias vozes
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