Os dedos deslizam pelo feed no celular. Fotos e mais fotos de pessoas conhecidas, amigos de amigos, propagandas e, vez ou outra, alguma notícia de última hora. De repente, surge na tela uma imagem incomum. É Isabelle, uma mulher com deficiência física andando de skate. A curiosidade detém o olhar, uma breve leitura na legenda revela sua história. A ausência dos membros inferiores desde a infância se torna pano de fundo para construir uma narrativa de superação e, ao mesmo tempo, de culpa em quem “é saudável e ainda reclama da vida”.
Talvez você já tenha experimentado essa situação, com diferentes personagens e contextos, mas a essência permanece a mesma. Transformar a vivência do outro (ou outra) em algo tão fantástico, tão distante, que seria impossível fazer algo parecido, caso estivesse em condições parecidas. Assim, atribui ao diferente o status de exemplo, alguém capaz de lidar com todo tipo de adversidades.
O grande problema dos exemplos é o abismo que criamos entre vocês e nós. Não é à toa que uso esses pronomes, pois assim como nossa personagem, eu também tenho uma deficiência física. Não sou tão descolada quanto ela, já que ao invés de um skate, uso cadeira de rodas, mas experimentamos as consequências desta distância de realidades chamada capacitismo.
“O que será que ela teve?” “Como assim ela consegue fazer isso?” Perdi a conta de quantas vezes fui interrompida na rua, para ouvir esse tipo de coisa.”
Usamos esse termo para nomear toda forma de discriminação contra pessoas com deficiência, o qual age estruturalmente desde as instituições até o cotidiano. Ficou complicado? Calma, vou te explicar.
Sabe esse desejo em olhar para um corpo deficiente? Essa curiosidade em saber sua história, as perguntas que surgem na cabeça. “O que será que ela teve?” “Como assim ela consegue fazer isso?” Perdi a conta de quantas vezes fui interrompida na rua, para ouvir esse tipo de coisa. São rastros de estigmas sobre a deficiência construídos ao longo dos anos, que ainda circulam nos imaginários sociais na forma de preconceito. Ou seja, é um modo estrutural do capacitismo.
A mesma coisa se dá com essas narrativas de superação, onde tudo o que alguém com deficiência faz, mesmo as coisas mais simples, são consideradas algo incrível, digno de ser destacado. Por trás dessa “premiação” está escondida uma ideia de que tal pessoa não poderia fazer nada, pois é considerada incapaz de participar de qualquer atividade social.
O termo capacitismo vem de “capacidade de”. Dessa maneira, mulheres com deficiência são consideradas “incapazes de”: terem filhos, serem amadas, serem desejadas, trabalharem, cuidarem de alguém, ter sua própria autonomia e por aí vai.
Acho que agora deu para entender, né? Se tiver se identificado em algum desses exemplos, não se desanime. Nos próximos textos dessa coluna, terá oportunidade de aprender bem mais sobre esse tema e outros relacionados a vivência com deficiência.
Combinado?
Até a próxima.
Fatine Oliveira para a coluna Corpos sem filtro
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