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Moda, infância e identidade de gênero: o peso desnecessário das roupas.



No Dia Internacional da Mulher deste ano de 2022, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse no seu discurso de homenagem: “… A mulher que tem o prazer de escolher a cor da unha que vai pintar, a mulher que tem o prazer de escolher o sapato que vai calçar. Pouco importa que tipo de escolha ela faça…”. Apesar do infeliz destaque de mérito no dia que remete a tantas lutas, o procurador me fez pensar justamente no oposto. Como se no trecho de sua fala com escolhas tão insignificantes para a condição feminina denunciasse um prazer invejado e proibido. Ora, quem é que jamais pode pintar suas unhas como quiser e ir trabalhar com salto alto sem ser vítima dos mais ferozes ataques? O homem.


O peso do nosso dress code social é imenso. Mas ele dói mais, justamente, na infância, onde “meninas vestem rosa e meninos vestem azul” para relembrar outra frase ainda mais infeliz do nosso poder público. E é triste, desnecessariamente, que uma criança do sexo masculino não possa se divertir com tantas cores, brilhos, tecidos esvoaçantes, tiaras e tranças até o pé. Não possa ser “chapeuzinho vermelho”  na peça da escola. Rodar as saias na festa Junina. Usar calda de sereia. O menino geralmente escolhe entre monstros, dinossauros, bichos, futebol. E quando adulto, seu guarda-roupas ainda é mais pobre, limitado e controlado por uma patrulha de pessoas retrógradas.

“É preciso descolar o vestuário humano da identidade de gênero. Enxergar que a liberdade de se vestir como “uma mulher” pode trazer ao mundo um lugar menos violento, mais amplo em expressão, e dessexualizado”

É preciso descolar o vestuário humano da identidade de gênero. Enxergar que a liberdade de se vestir como “uma mulher” pode trazer ao mundo um lugar menos violento, mais amplo em expressão, e dessexualizado. Deixar que a infância seja o território do descobrimento e da experiência, e não confundir um menino que se veste como “menina” com orientação de sexual. Porque, de fato, não é. Gostar de homens, de mulheres, de ambos, de nenhum, é um território muito além do simples fato da escolha da blusa que mais combina com você.

Quem convive com pessoas transsexuais sabe o que é a dor de não poder pintar as unhas como quiser ou escolher o próprio sapato, sobre o risco de ser demitido, sofrer violência física, de não ser amado. Viver apagando seus desejos para se encaixar no molde aceitável. E a moda é diversão, válvula de escape, autoestima. Um lugar onde deveríamos ter liberdade, onde não é sobre os outros, mas sobre a pele que nos motiva agora. Tudo na moda é transitório. Ou deveria ser. Porque o mundo, às vezes, é uma guerra dura demais para se estar do lado uniformizado. E deixar uma criança sorrir, apenas por usar um simples vestido, é fazer daqui um lugar melhor.


Julia Heartsong para a coluna LGBTQIAP+

Encontre-a no Instagram @eradelaoriginal

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