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Não me dê flor, por favor!


Qual a ação que você irá promover no dia das mulheres?


Dar flor para as mulheres, por melhor que seja a intenção, somente reforça o estereótipo de gênero. Somente nos trata de forma segregada, quando o que queremos é equidade de gênero no trabalho.


Antes que você já julgue esse texto como “mimimi de feminista”, deixe-me apresentar fatos: as mulheres são maioria na sociedade, maioria nos bancos das universidades, maioria entre os que concluem curso superior, mas ainda são sub-representadas nas empresas, são sub-representadas em funções de liderança e ainda mais em níveis estratégicos. Não tem algo estranho nisso?


De acordo com o Global Gender Gap Report 2021, do Fórum Econômico Mundial, a disparidade de gênero na dimensão ‘participação econômica e oportunidade’ continua sendo uma das maiores lacunas e, com base nos avanços observados nas últimas edições, a estimativa é que levará mais de 267 anos para fechar esse gap. Sim, quase 3 séculos! Isto quer dizer que somente a sua tataraneta verá mulheres com a mesma representatividade econômica dos homens, e com sorte.


Acho que nem precisaria lembrar, mas nunca é demais: não é uma questão de caridade nem filantropia, não. Já está mais que evidenciado em pesquisas de consultorias de renome e de entidades respeitadas mundialmente que igualdade de gênero impulsiona o negócio, pois eleva a produtividade, melhora o clima organizacional, estimula a inovação e alavanca o resultado. Não é sem motivo que o tema está na pauta do Pacto Global da ONU e conta com diversas iniciativas para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com foco em reforçar a importância da liderança feminina nas empresas e impulsionar mecanismos de empreendedorismo e empoderamento econômico.


Eu sei que tudo isso pode parecer muito etéreo ou longe demais do nosso dia a dia, mas o nosso papel está em justamente tornar essas discussões o mais simples possível, para provocar reflexões e mudanças de comportamento, mesmo começando com pequenas atitudes. (Inclusive, a começar pela sua casa, colocando seu filho para lavar a louça e dividindo responsabilidades domésticas, para trazer para o nosso cotidiano mesmo!)


Quer dar flor? Então distribua para homens e mulheres. Isto terá mais impacto que uma ação exclusiva para as mulheres. Coloque uma mensagem que a empresa está comprometida com um ambiente em que mulheres e homens sejam valorizados.


Ou dê para as mulheres com um bilhetinho para que elas escolham um homem para dar, aquele que merece o reconhecimento por promover a equidade no dia a dia, com sua postura profissional, ao ouvir respeitosamente as ideias e opiniões das colegas de equipe. Isso é fugir do óbvio. Isso é provocar reflexão.


Sem contar que a flor reforça alguns estereótipos e vieses inconscientes que precisamos desarmar. A expectativa de gênero, que pressupõe a delicadeza das mulheres, é o que grita quando se oferece flores no ambiente de trabalho a todas as mulheres. A flor encerra associações que se queremos tratar o tema com intencionalidade para promover mudança de pensamento, devemos evitar.


“Ah! Mas eu adoro flores!” Eu também, amiga. Mas estamos aqui tratando de forma abrangente e corporativa. Agregará mais no sentido coletivo se você receber flores dos seus amigos, da sua família, e não da sua empresa numa data que homenageia a luta das mulheres.


Quantas vezes você já ouviu algum colega dizer: “Quando é o dia do homem?” Se você, colega homem que está lendo, nunca disse essa frase, certamente ouviu de outros colegas seus. Mesmo que num tom de brincadeira, esta fala denota a percepção de segregação, porque, de fato, as iniciativas tradicionais para celebrar o dia das mulheres não envolvem os homens. E quando envolvem, eles não se sentem incluídos. Já soube, por exemplo, de diversas empresas que promoveram eventos no auditório, rodas de conversa com mulheres da empresa para compartilhar suas histórias, que praticamente só tiveram participação feminina.


Promover ações exclusivas ou subentendidas como voltadas para mulheres somente amplia o distanciamento. Esta não é uma causa de superioridade ou de estrelismo feminino. É de igualdade. Superar as barreiras depende muito dos homens, pois eles estão em maioria nas posições de decisão e influência.


É preciso que os homens sejam envolvidos de forma direta e cabe às empresas criar condições para que eles enxerguem as distorções e assumam seu protagonismo nesta construção. Uma sugestão seria oferecer sessões de mentoria para impulsionamento de carreiras femininas, com homens em posições seniores. Isto promoveria a empatia e impulsionaria trocas e novas perspectivas, engajando diretamente os homens neste processo de transformação.


É hora de transitar das tradicionais homenagens às mulheres nesta data para a implementação de ações de impacto coletivo. Menos discurso, menos simbolismo, mais ações inclusivas, mais efetividade.


Temos um trabalho grande a fazer e os resultados não virão de um dia para o outro, mas cada ação que fazemos nos aproxima mais do mundo que queremos deixar para as próximas gerações.


Não me dê flor. Me dê espaço para mostrar o meu valor.




Érica Saião para coluna Mulher & Carreira

Encontre-a no Instagram:@erica.saiao

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