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Não me julgue pela maternidade, e sim pelas minhas entregas.


A decisão sobre se e quando engravidar é sempre cercada de incertezas, principalmente se você busca conciliar com seus objetivos de carreira. Parece coisa do passado, mas este momento ainda traz uma enorme carga de ansiedade para as mulheres, que ficam tentando encontrar o momento ideal.


Uma pesquisa norte americana revelou que aproximadamente 36% das mulheres adiam a maternidade devido à preocupação com o impacto que terá em suas carreiras. [1] No Brasil, de acordo com levantamento do Ministério da Saúde, a porcentagem de mulheres que optou pela maternidade após os 40 anos aumentou para 49,5% em 20 anos. O medo do impacto na carreira é um dos fatores que leva as mulheres a adiar a maternidade até um momento em que se sintam mais seguras em suas posições profissionais.


E não é uma neura sem fundamento, não. A sociedade impõe dificuldades significativas às mulheres em termos de igualdade de gênero e a maternidade realmente impacta o progresso profissional das mulheres. As pesquisas comprovam isso.


Uma pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2016, revalidada nos anos 2019 e 2000, mostra que cerca de 50% das mulheres perdem o emprego depois do início da licença-maternidade. Além disso, depois da maternidade, metade delas se distancia de seus ambientes de trabalho no período de 4 anos após o nascimento do filho, ou seja, durante a primeira infância. A queda no emprego se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença maternidade e após cerca de 2 anos, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade já está fora do mercado de trabalho, sendo que a maior parte das saídas se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador. Entre os homens, apenas 15% deixam seus empregos depois de terem filhos.[2]


Dados do IBGE de 2021 revalidam esse ponto, indicando que o nível de ocupação das mulheres de 25 a 49 anos que vivem com crianças de até três anos era de 54,6%, contra 89,2% no caso dos homens na mesma faixa etária e situação. Ou seja, é principalmente a mulher que deixa o trabalho para cuidar do filho.


A “penalização da maternidade”, termo dado a esse efeito social, é tema explorado em diversos estudos internacionais e apontado como responsável por uma proporção significativa da disparidade salarial entre homens e mulheres. O Relatório Mulheres no Trabalho da PwC (2023) indica que as mães registram uma queda de 60% nos rendimentos em comparação com os pais na década seguinte ao nascimento do primeiro filho, e além disso, têm saldos de pensões mais baixos no final da sua vida profissional. Ou seja, mães progridem menos na carreira que os pais. [3] 


Também há disparidade salarial entre mães e não-mães e há estudos que mostram que mulheres visivelmente grávidas são julgadas como sendo menos comprometidas com os seus empregos, menos confiáveis, mais emocionais e mais irracionais do que gestoras não grávidas. Isso acarreta perda de rendimentos ao longo da vida pelas mulheres que criam os filhos, pelo subemprego e pela progressão mais lenta na carreira após o regresso ao trabalho.


Eu também demorei a tomar a decisão de engravidar. Nunca parecia ser o momento ideal. E olha que reconheço que tinha uma condição de privilégio em relação à maioria das mulheres ao fazer essa escolha, porque tinha um emprego formal e público, com benefícios, como licença maternidade remunerada e garantia de retorno após a licença. Contudo, exercia função de liderança, que era uma liberalidade da empresa. Não estava em risco o meu emprego, mas poderia estar a função, que tinha forte impacto na nossa renda familiar.


Após a chegada de um novo chefe, executivo de renome na empresa e que vinha de um período longo na área anterior, suscitando estabilidade, e considerando que ele vinha substituir alguém que tinha sido promovido a uma posição C-Level na organização, o que conferia um certo status para a nossa área, pareceu que o momento ideal havia chegado. Levaria a gravidez trabalhando normalmente até o último momento e seriam só 4 meses de ausência. Tudo parecia perfeito.


Mas há coisas que a gente não consegue prever. Eu tive uma gravidez gemelar de risco, devido a uma anomalia uterina, o que me levou a um quadro de cuidados. Não podia fazer esforço, não podia dirigir, não podia viajar. Imagina não poder viajar quando se atua numa área com unidades espalhadas pelo Brasil e antes da facilidade das videochamadas! Eu realmente me vi limitada para exercer plenamente minha função e minha rotina.


Aí entrou meu chefe, que, sem qualquer pedido meu, transferiu todas as reuniões do nosso ciclo de gestão que aconteceriam nas nossas unidades fora do estado para o Rio de Janeiro, para que eu pudesse participar. Ele teve empatia pelo meu momento e permitiu que eu continuasse a exercer minhas atribuições. Sem contar as muitas vezes em que me viu no trabalho além do horário e praticamente me expulsou para que eu fosse para casa descansar. Era um comportamento quase paternal. Ele parecia se preocupar genuinamente com meu bem-estar e recomendava ao meu time que zelasse também, embora não precisasse.


Não consegui trabalhar até o final da gestação, como planejara. Tive que antecipar a licença e passei o último mês de repouso total, na cama, cheia de remédios e injeções para conter o risco de parto prematuro e garantir que chegássemos a 37 semanas. Mas esse período fortaleceu minha fé em Deus e nas pessoas. Reforçou minha crença na importância do cuidado genuíno uns com os outros, pois a gente pensa que pode planejar tudo, mas não pode, que pode dar conta de tudo, mas não pode. E quando o impensável acontece, a gente precisa contar com quem está ao nosso lado, não só em casa, mas no trabalho também.


A maioria das mulheres passa pela gestação trabalhando plenamente até o final. O meu caso é que foi exceção. Também foi exceção o fato de que, poucos meses depois do meu regresso da licença, ainda fui promovida. Definitivamente, a maternidade não nos limita. O preconceito é que sim.


Eu sonho que possamos evoluir como sociedade e no desenvolvimento de políticas públicas para que todas as mulheres tenham a possibilidade de decidir pela maternidade sem serem julgadas ou se verem fadadas à estagnação de carreira. Este é o meu apelo nesse mês das mães.

A dificuldade das mulheres para conciliar carreira e maternidade é um problema real e, por sua própria natureza universal, deveria contar com o suporte de toda a sociedade. É injusto e absurdo que, ao contrário disso, sejamos penalizadas. Precisamos nos questionar, como cidadãos e como entes da estrutura familiar, sobre esse ônus que recai sobre as mulheres.


É urgente impulsionar mudança de mentalidade, não só dos homens, para que avancem no compartilhamento de responsabilidades, mas também de mulheres que aprenderam a naturalizar as condições impostas. Promover licença parental (e não "maternidade"), com iguais direitos, seria um incentivo formal a essa reconstrução, pois a legislação, ao atribuir apenas às mulheres o direito ao afastamento do trabalho para cuidar dos filhos, estabelece a diferenciação profissional entre os gêneros e perpetua esses papeis.


E quando se trata de mães solo, então, a necessidade de políticas públicas de suporte, como creches, se torna ainda maior, pois elas precisam ter condições de regressar ao mercado de trabalho e garantir o sustento da família.


É fundamental criar políticas para permitir que as mulheres equilibrem as responsabilidades familiares com a carreira, com salários equitativos, horários flexíveis, estrutura de apoio para o exercício desse papel e segurança no emprego após a licença maternidade. Isto é sobre equidade e inclusão, tema tão em voga na atualidade.


Eu sou profundamente grata àquele chefe (in memoriam), por ter me permitido a tranquilidade e a segurança psicológica para trabalhar, sabendo que ele entendia minhas limitações, mas sabia que isto não comprometia minhas entregas. Eu sou muito grata a cada uma das pessoas do meu time daquele ano, por todo o carinho e cuidado, que excedeu a relação profissional. E, acima de tudo, eu sou grata a Deus, que me permitiu ser mãe de gêmeos saudáveis, conciliar com a minha carreira e poder contar essa passagem aqui.


Mas não podemos depender da visão particular de um líder, como eu tive a sorte de encontrar. Precisamos de medidas intencionais e abrangentes nas organizações para proporcionar um ambiente de trabalho acolhedor e inclusivo em que a maternidade deixe de ser uma questão. Eu sonho que possamos evoluir como sociedade e no desenvolvimento de políticas públicas para que todas as mulheres tenham a possibilidade de decidir pela maternidade sem serem julgadas ou se verem fadadas à estagnação de carreira. Este é o meu apelo nesse mês das mães.


Érica Saião para a coluna Mulher & Carreira

Encontre-a no Instagram: @erica.saiao 


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