Outro dia eu estava assistindo a um filme no Netflix na casa de uma amiga. Era um programinha inocente, tipo sessão da tarde entre amigas de longa data, quando uma delas deu um grito!
“Genteeeeeeee o que aconteceu com a fulana?” Ela estava se referindo à uma atriz que foi musa absoluta nos anos 90, tinha ficado sumida das telinhas e agora voltou num papel muito bacana com seus quase 60 anos de idade (vou poupar aqui o nome da atriz em solidariedade à ela).
O grupo excitadíssimo começou a comentar o quanto a pele do rosto dela havia caído, o quanto ela tinha engordado, o quanto ela estava quase irreconhecível, o quanto ela foi linda no auge dos seus 20 anos, o quanto todos os nossos namorados eram apaixonados por ela e agora… blablabla…
Por um tempo eu me recolhi, em silencio, me calei para tentar entender porque aquela algazarra aparentemente inocente estava me ferindo tanto. Me levantei, pedi desculpas, e fui embora para o meu mundo interior tentar decifrar em que lugar em mim estes comentários encontraram espaço para se alojar de maneira tão invasiva.
E eu descobri, uma descoberta assustadora.
Eu descobri o que aconteceu com ela, com aquela atriz que tanto me inspirou na minha adolescência: ELA NÃO MORREU CEDO!
Ela não desapareceu enquanto ainda era jovem e linda. Ela não se recolheu. Ela ousou. Quanta audácia! Ela ousou sair do esconderijo quando sua pele já não tinha mais o viço da juventude. Ela seguiu VIVENDO!
Aquela conversa aparentemente inocente da mulherada mexeu comigo. Me calou. Me machucou. Eu não a conheço, mas eu conheço as dores de estar viva. As dores de insistir em estar presente aos 50 anos, falando as minhas verdades, me expondo no Instagram, dançando onde me der vontade. Existindo.
Me parece que existir depois dos 50 anos é uma extenuante resistência à uma sociedade que faz comentários etaristas, que fecha as portas para mulheres maduras e experientes, que só valoriza pernas, bundas e colágeno transformando mulheres em objetos de desejo, onde o publico alvo descarta o modelo conhecido e faz filas pelo ultimo modelo.
Tentam nos tornar tão descartáveis quanto eletrônicos portáteis da maçãzinha com mais de dois anos.
Ao escrever este texto sinto um gosto amargo na boca. Será este o sabor da maturidade? Será que estamos fadadas a aguentar metade da nossa vida, sim, a segunda metade dela perdêssemos a nossa relevância junto com a menstruação e o colágeno? Será que não passamos de vacas reprodutoras?
Ou será que ao contrário, não somos nós as erradas, as loucas com prazo de validade expirado colado na testa, mas mulheres que resistem em viver intensamente em uma sociedade machista e etarista que descarta o que lhe ameaça, que ignora a experiência e permanece no raso, onde é mais fácil transitar, evitando mergulhar nas aguas profundas da subjetividade humana?
Precisamos nos lembrar que cada vez que pixamos o corpo, que apontamos o formato, a gordura, a celulite, a estria, a altura, as rugas, o cabelo branco, o decote, a roupa colada, nós estamos ridicularizando a todas nós!
Ridicularizar alguém é uma tentativa desesperada de atestar para o mundo que você não é a única que não pertence, mas que precisa a qualquer custo, fazer de conta que você é melhor que alguém, mesmo se sentindo pior que a maioria.
Ninguém que esteja em paz consigo mesma tem necessidade nem tampouco vontade de julgar, de apontar “defeitos” em outra pessoa. Só faz isso quem se sente insegura, quem não se garante, e quem lucra com a insegurança de milhares de mulheres.
Tenho certeza que depois deste texto, não importa a sua idade, o seu peso, a sua autoconfiança, você irá pensar duas vezes antes de detonar outra mulher por ser quem ela é.
Celebre toda existência como se fosse a única (pois sim, ela sempre é).
Julgar a aparência de uma mulher é invalidar a existência dela nesta vida, e isso nunca, NUNCA é legal.
Fabi Guntovitch para a Revista MS
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Universo feminino
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