Houve um tempo que ser mulher significava ser de alguém, ser mulher de alguém era imprescindível à existência, ainda que este alguém fosse Deus, a igreja ou o convento. Ser mulher era especialmente determinada pela posse de alguém sobre nosso corpo, sobre nossa vida.
Hoje talvez a maioria de nós não se identifique mais como posse de um homem só, mas sem perceber, diariamente somos determinadas pela sociedade com não menos crueldade. A pressão de ser determinada e subjugada à estereótipos fabricados à revelia nos adoece a alma, a saúde física, mental e emocional se esfarela a olhos vistos, e o mais triste é que seguimos como se nada estivesse acontecendo, normalizando e romantizando os rótulos, as caixas e as gaiolas.
Diante da mídia e da sociedade, eu te pergunto: o que determina seu valor?
A sua idade? A sua magreza? A sua beleza padronizada? A sua maquiagem ou a sua cara lavada? Seu status social, ou seu estado civil? Sua conta no banco? Sua profissão? Sua família? Sua maternidade? O peso do seu silicone? A marca das suas roupas e bolsas? O quanto você sorri e diz sim? Quantos seguidores você tem? O tamanho do seu decote ou a falta dele? Com quem você se relaciona, a sua sexualidade? Sua percepção de si mesma ou seus órgãos genitais? Sua religião ou seu partido político? O que faz de você mulher? O que ou quem te determina? Será que é você mesma, ou será que lutamos tanto para deixar de ser posse de pai e marido, e passamos a ser objetos moldados por mãos gananciosas e ainda assim extremamente limitantes?
Há décadas lutamos para não mais precisar ser de quem quer que seja para existirmos, e estamos ganhando essa batalha, ainda que muitas vezes a duras penas, e pagando altos preços, até mesmo com nossas vidas, como no caso do feminicídio, crime tantas vezes motivado pela frustração de homens que não aceitam não terem poder absoluto sobre as mulheres com quem se relacionam e preferem jogar suas vidas no lixo, leva-las a morte à deixa-las livres.
Não se iluda, estamos longe de sermos livres. Liberdade seria existir a partir da auto-determinação, livre de aprisionamentos pessoais e também sociais, nos bastando e nos amando incondicionalmente.
Ainda estamos longe, mas não abandonaremos o caminho. Enquanto uma única mulher não tiver espaço para ser quem ela é, sem reservas ou ressalvas, estaremos todas lá, ao lado dela, lutando por ela e por todas que ainda estão por vir para esse planeta tão surpreendente com seus desafios e também cheio de oportunidades de conquistas, de coexistência e de aprendizados.
Fabiana Guntovitch para a coluna Psicanalista da MS
Encontre-a no Instagram: @fabianaguntovitch