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O dia das mães trabalhadoras



Por que deveríamos desromantizar o dia dos trabalhadores?


Bom, pra princípio de conversa, precisamos muito desromantizar este dia, ou, ajustá-lo, atualizá-lo, torná-lo mais justo. E aqui muita gente vai dizer: Ah, Tatiana, mas é um feriado merecido para quem trabalha tanto neste nosso país desigual. Certo, você tem razão. É um feriado merecido e vale ressaltar que um dia de descanso também, afinal de contas, estamos no mundo e este não é fácil para ninguém, em especial para os trabalhadores, ainda mais especial para as mulheres trabalhadoras e incrivelmente especial para as mulheres, mães, trabalhadoras.


Vamos à explicação?


Vivemos em um país que nos diz que por sermos mulheres ganharemos menos, ocuparemos cargos menos relevantes e as justificativas são inúmeras. Eu sou vítima e testemunha dessa desigualdade. Trabalhei em uma empresa onde todos os cargos de responsabilidade, logo, com os melhores salários, eram ocupados por homens, nunca uma mulher e por escolha, não velada, mas clara, com todas as cartas sobre a mesa. Mulher menstrua, mulher casa, mulher tem filhos. A empresa não pode ser sacrificada por essas escolhas. Essas são duas das muitas justificativas que ouvi.


E por que eu trago isso em uma coluna onde falamos do desafio da maternidade?


Exatamente por isso. Se você escolher ter um filho, precisa desistir da carreira, é o que eles nos dizem. Primeiro porque você ficará quatro meses afastada do cargo, e aqui faço uma pausa para você, mãe, trabalhadora, sentir o meu abraço por só ter quatro meses de direito exclusivo com o seu filho, mais do que isso 99% das empresas no Brasil não permitem.

Com quatro meses seu filho não senta, não fala, está iniciando uma nova possível alimentação, não tem como te ligar se algo estiver errado. E ainda assim, você precisa sair de casa todos os dias, passar de oito a dez horas longe se quiser garantir uma carreira profissional.


Com quatro meses você precisa ajustar tudo na sua vida para ter um suporte ou abandonar sua carreira por um tempo. Isso só, e exclusivamente, para as mulheres. Porque o homem fica no máximo uma semana, muitas vezes nunca solicitada, e sua carreira profissional está assegurada. Mas nós, mulheres, mães, não temos esse direito, e em quatro meses você deixará seu filho com alguém de confiança, se existir esse suporte em sua vida, ou em uma creche ou com uma babá.


Muitas mulheres desistem neste ponto. Porque com quatro meses seu peito ainda tem leite, sua rotina ainda está toda envolvida no crescimento do seu filho e é sofrível, apesar de, confesso, todas terem uma certa sede de liberdade, mas, poxa, não tanta, né? Sem contar que com a diferença gritante entre homens e mulheres quando equiparados em salários, a mulher, quando opta por uma babá, é o mesmo que trocar dinheiro, você entrega seu filho e seu salário nas mãos de outra pessoa, que muitas vezes entrega o próprio filho aos cuidados de outros para trabalhar cuidando do seu.


Muitas mulheres desistem da carreira e quando isso não acontece, a empresa desiste dela. Isso é fato. Não estou aqui para colocar panos quentes. Desde o primeiro artigo eu disse que seria honesta com vocês e estou aqui para isso, para desromantizar o universo materno. E qual seria a solução? Tão fácil que me sinto ridícula em explicar.


Em muitos países a mãe pode ficar até um ano em casa se dedicando exclusivamente ao filho. E você me diz: e a empresa banca isso? Não. Na verdade nem no Brasil a empresa banca nada. Você paga seus impostos e estes retornam em momentos assim, quando você precisa parar e cuidar de outro setor, como um filho, por exemplo. Então a empresa que justifica essa desigualdade com a ideia de que mulher gera custos, mente descaradamente para você. Você fica em casa e recebe aquele seguro – leia imposto – que paga todos os meses, precisando dele ou não.


Mas essa não é a principal questão. Em países desenvolvidos as mulheres que optaram por ser mãe possuem um suporte da própria empresa. As grandes, as que possuem as melhores ofertas de emprego, entendem que mulheres possuem mais anos de estudo do que os homens, são mais comprometidas quando estimuladas da forma correta, são melhores profissionais, e não sou eu, Tatiana Amaral, mulher, mãe e escritora que vos digo. Pesquisas existem aos montes para provar.


Essas empresas, as que olham por outro ângulo, entende que mães despreocupadas são funcionários inigualáveis e são esses os funcionários que farão com que a empresa cresça, progrida e prospere. Muitas dessas empresas criam um suporte maravilhoso para as mães, as crianças vão junto, ficam no espaço reservado para elas, com profissionais especializados para esta tarefa. As mães amamentam seus filhos nos horários corretos, estão perto para quando for necessário e no final do dia temos uma mãe, um filho e uma empresa que cresce.


Mas no Brasil quase nenhuma empresa funciona assim. A mãe é um problema e a empresa sonha em se livrar de problemas. Até mesmo quando você trabalha em cargo ou horários mais flexíveis, não existe esse suporte. Não há fraldários, nem espaço para uma possível amamentação, não há tolerância quando o filho adoece, não há nada além da sua força de trabalho e da sua capacidade de aguentar a jornada, o trânsito e tudo o que te afasta de chegar em casa e pegar seu filho no colo.


E sabe qual é a parte mais triste? Dura pouco. Dura tão pouco que se não existisse um sistema que foca apenas no lucro, as empresas entenderiam que em dois anos criariam um funcionário fiel, dedicado, disposto a fazer o seu melhor por uma empresa que fez o seu melhor por ele.


Em dois anos seu filho ingressará na escola ou terá condições de estar em uma creche sem que seja algo sofrível. Em dois anos você não se preocupará com a amamentação, seu filho já contará como foi o dia e você confiará nele para respirar aliviada.


São só dois anos e ainda assim, nada fazem por nós. Desde que as mulheres tiveram permissão para trabalharem em uma função que não fosse a de dona de casa, é assim que essa roda gira. E depois de tantos avanços, de tanto estudo, de tantos fóruns e debates, nada mudou. Por isso eu acho que o feriado do Dia do Trabalhador é apenas isso, um dia de descanso em meio ao caos que é o nosso sistema.


E eu escrevo isso porque acredito que precisa ser falado, não apenas neste dia, mas em todos os dias. São direitos nossos, conquistados e nunca postos em práticas, porque nos fizeram acreditar naquilo que eu disse antes: se você escolheu ser mãe, esteja pronta para desistir da sua carreira.


Eu não estou pronta para deixar esse peso para a próxima geração de mães. Quero isso agora, neste momento. E vocês?


Tatiana Amaral escreve para a coluna Maternidade

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