Construir um novo Mundo com bases revolucionárias pode parecer esperançoso para o futuro da humanidade, mas evidentemente trata-se de uma utopia imaginar que nós, seres apenas humanos, conseguiremos transmutar as dobras incontáveis do nosso cercado cheio de espinhos intransponíveis.
Somos seres adaptáveis a um ambiente minimamente conhecido e gostamos de rotina, de segurança e de alicerces estáveis, ainda que entediantes. Ainda estamos engatinhando na arte de nos reinventarmos e seremos alimento fácil para nossos instintos mais selvagens, quando iniciarmos nosso movimento em busca de retratação social pelos pecados dos nossos antepassados.
Escutamos expressões como “racismo estrutural”, “machismo estrutural” e diversas “fobias ligadas ao sexo ou gênero do outro”, além de milhões de outros temas, tão urgentes e necessários, diga-se de passagem, que nos convidam a pensar sobre nosso comportamento e, mais além, que nos convidam a examinar nosso próprio discurso de ódio, que sai de nossas bocas absolutamente sem intenção alguma, mas que chega a um alguém de uma forma avassaladora.
Muitas vezes, esse alguém nem se dá conta do seu próprio sofrimento, pois já internalizou a metamorfose louca desta vida insana, que nos diz que nicotina é bom para calmar os nervos, da mesma forma que nos convém acreditar que um colégio só de brancos é algo ligado à sorte ou meritocracia ou qualquer outra coisa do gênero.
A verdade é que ainda nem começamos a aprender o real significado de irmandade, pois extraímos do próximo aquilo que nos convém e entregamos pedaços vazios de educação, simpatia e desdém, em doses alternadas, de acordo com nosso humor.
Não foi à toa que em um período de pandemia, em um cárcere forçado, acabamos por ver refletida nesta cela absoluta, a silhueta do outro, que passou a gritar para que modificássemos nossa estrutura inteira, mesmo sem saber o quanto de nós levaria embora e o quanto estaríamos dispostos a entregar.
Qualquer mudança, ainda mais “estrutural” nos causa desconforto, nos leva a um cenário vasto de possibilidades assustadoras e nos confere a nossa impossibilidade de manter a soberania, conquistada há anos com o sangue dos avós daquele menino que hoje adentra a sala de aula com mochila cor de rosa e sua pele escura.
E, de repente uns tornam-se culpados por crimes que não foram educados a compreender que faziam, da mesma forma que tornam-se vítimas outros que nunca foram educados a entender que seu lugar nesta sociedade é outro; que é um lugar ao lado e na frente, jamais atrás. Mas os de trás continuarão a reclamar e buscarão, um dia, reinventar a matemática para apontar, no futuro, os erros cometidos hoje, dentro de suas visões de mundo discrepantes, latentes e enviesadas.
Sem otimismo, ouso dizer, em um discurso ácido e direto, que não há esperança para povos que precisam de outros para adubar suas inférteis terras. E, é com pesar que digo, que não haverá mudanças estruturais tão significativas, pois toda mudança necessita de um querer genuíno, que não está à venda, pois deve ser produzido; e seu processo leva algumas gerações ensanguentadas para ficar pronto.
A guerra social está só começando, e se você não sabe ao certo onde está no meio disso tudo, fique tranquilo: ninguém sabe mesmo como mudar essa estrutura imensa composta por privilégios, ordens, poder e mágoas.
Sangraremos em prol de uma nova sociedade, mais justa, mais fraterna, mais equilibrada. E também menos humana.
Cris Coelho