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Precisamos falar sobre Boa Sorte, Leo Grande


Semana passada fui ao cinema assistir o filme Boa sorte, Leo Grande, direção da Sophie Hyde, com a fenomenal Emma Thompson no papel de uma viúva púdica que

decide buscar seu prazer sexual aos sessenta anos, e Daryl McComarck no papel de Leo Grande, o garoto de programa contratado para ajudá-la a se descobrir e descobrir o prazer.


Não sou crítica de cinema e também não quero dar spoiler, é com olhos de mulher comum que digo: o filme é brilhante, um daqueles filmes que abrem universos, que faz a gente sair do cinema e telefonar para alguém para conversar. De simplicidade magnífica, não necessita de nenhum malabarismo para surpreender, fazendo tudo isto apenas dando voz onde havia silêncio: o desejo da mulher madura.


Enquanto vários outros filmes, que também amo, seguem mais o viés romântico (como Alguém tem que ceder, uma comédia romântica de 2003 com com Jack Nicholson e Diane Keaton) Boa sorte, Leo Grande, não. Nancy não reencontra um antigo namorado, não tem um encontro mágico com o homem da sua vida, não busca alguém especial para ficar ao seu lado na velhice. Ela é pragmática e decide ter prazer, apesar de ter passado

quase a vida inteira sem buscá-lo. Claro que isto não é tão simples para mulheres que nasceram e cresceram num sistema machista e castrador. Mas ela luta, luta contra si e contra tudo que neste mundo amarra a todas nós no ideal de juventude e beleza que associamos ao direito do prazer. Nancy, naquele quarto de hotel, carregando todos os estigmas que nos pesam diariamente, é a heroína que nos identificamos e seguimos no campo de batalha, torcendo para que ela vença, sendo capaz de enxergar a própria

beleza, de viver seu desejo, de gozar.


Não podemos deixar de reconhecer a sorte que Nancy teve de ter encontrado Leo. Será que ele é “bom demais para ser verdade na vida real? Falo de sua imensa delicadeza, do carinho e paciência, do desejo de viver o prazer sexual com aquela mulher também. Da virilidade e doçura que nos prende no seu olhar, da capacidade de ver além de um estereótipo para se excitar. Léo é lindo, sedutor e seu trabalho vai muito além do prazer, pois, não julga, não exclui e está disponível mesmo que seja apenas para segurar a mão de alguém e assistir televisão, ou dar banho em uma mulher paraplégica. Enquanto Nancy é quase minha vizinha, de tão real, Leo faz pensar: será que ele existe?


Talvez exista um Léo aí, entre os garotos de programa reais. Como saber? Qual mulher usa estes serviços? Mas talvez esta seja justamente a revolução que estamos precisando, como quando surgiu a UBER, com sua água fresca e motoristas de terno, escancarando para todo mundo o quanto éramos maltratadas nos táxis de rua. Sim, a maioria de nós é quase maltratada - para não dizer como nos xingam por aí: "mal comida". Setenta por cento das mulheres jamais atingiu um orgasmo com seus parceiros. 70%!* E a maioria de nós, sessenta e um por cento*, só goza sozinha, se masturbando. Com a liberdade feminina em franca expansão, tanto sexual quanto financeira, podemos imaginar um cenário onde garotos de programa comecem a fazer parte da nossa realidade, ou pelo menos, deixe de ser tão tabu.


Este lugar nunca nos foi permitido. Nunca fomos apresentadas ao sexo com este convite ao desfrute. Sempre estivemos alertas como se nosso desejo nos levasse à ruína. Fomos treinadas para olhar o homem por outros ângulos, procurar outras virtudes em prol das nossas funções na sociedade. Claro, não podemos esquecer que mesmo entre nós há diferenças: assim como a mulher branca e burguesa é educada para calar seu desejo e realizar um bom casamento, a mulher negra e periférica é convidada à volúpia e a objetificação sexual.


Historicamente foi preciso muito mais que sessenta anos para que Emma fizesse a linda cena onde desnuda seu corpo maduro e se vê no espelho. Ali ela tira mais do que a própria roupa: tira a vergonha de ser humana e desejar, envelhecer, estar fora dos padrões e mesmo assim ousar contratar um homem lindo, profissional, para o seu prazer; mostrando-nos um outro mundo de novas possibilidades.


* Dados: Reportagem de Ricardo Mioto para a Folha de São Paulo, de 06/08/2010 baseado num estudo de Edward Laumann para a Universidade de Chicago.


Encontre-a no Instagram @juliaheartsong

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