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- Meu Filho Fora do Normal
Meu filho nunca foi normal, se normal for o conceito que todos entendem por “adequado”. Não, ele nunca se enquadrou, nunca se ajustou ao que buscávamos como comportamento natural de um menino de 4, 7 ou 10 anos. Mas a verdade é que tampouco tínhamos a noção exata do que buscávamos. Ele nunca seguiu um padrão específico que poderia transitar entre o esportista ou o nerd. Ele nunca se “encaixou” em padrão nenhum. Meu filho sempre me afrontou com a sua forma irreverente e única. Ele conseguiu me fazer repensar meus próprios paradigmas cada vez que o percebia mais gentil do que deveria, cada vez que o observava mais livre do que poderia e cada vez que o encontrava mais feliz do que lhe seria permitido. Ele me desafiou a amar um ser completamente fora das minhas concepções, e refez, na minha lista, a prioridade do que antes seria considerado avulso. Meu filho veio ao meu mundo para me ensinar o verdadeiro conceito da palavra que eu tanto amava e não entendia: “liberdade”. Porque a essência do que busco e preconizo em minha literatura pouco ortodoxa é justamente a quebra das barreiras que sustentam esse muro tão perfeito, chamado “padrão”. E meu filho, quase sem querer e totalmente sem estratégia e conhecimento, me fez repensar o que eu achava que sabia demais… Fui! (Admirar a maravilha que é vê-lo crescer fora dessa caixa…)
- Recordações Insubstituíveis...
Minha casa ardeu de dor e desmoronou ali, bem na sua frente. Enquanto você priorizava as futilidades da sua vida, era eu quem estava ali, esquecida e envolta em várias dívidas. Você não se lembrou de mim, não cuidou do patrimônio que era seu e do mundo todo. Não me deu valor; não me deu recursos para que eu continuasse a viver plena, como costumava ser nos tempos áureos da minha vida próspera. Você se esqueceu de mim e das alegrias que eu poderia continuar a dar, sempre que você fosse me visitar. Não te pedi luxo nem nada em especial. Pedi apenas que você me respeitasse, para que assim eu pudesse continuar a entregar meu amor na forma de recordações insubstituíveis. Queria poder dizer que ainda estou aqui, mas minha alma, por mais que tente, jamais conseguirá sobreviver ao inferno que destruiu meu corpo. Eu jamais sobreviverei a você e sua corrupção sem limites. Eu estou morta, virei cinzas depois do incêndio que destruiu cada parte do meu corpo. Mas meu povo, aquele que me amava, continuará de pé, pronto para reconstruir a casa que um dia foi minha. Pronto para refazer o caminho que um dia foi trilhado por seus ancestrais. Pronto para defender a memória do que é deles, e não seu. Fui! (Construir uma nova história…) *Em Luto pela morte do Museu Histórico Nacional
- Não Me Chame de Guerreira
Por favor, não me chame de guerreira. Me chame do que quiser, até com adjetivos que eu não gosto muito, mas jamais de “guerreira”. Minha vida não é um ringue de luta nem um campo de batalha para que eu me consagre desta forma. Minha vida é, simplesmente, minha vida. E só. Como deve ser a vida de todas as mulheres e homens que vivem intranquilos uma vida de preocupações cotidianas, de amores desencontrados e de stress acumulado. Somos todos seres reais e existentes, todos vítimas e vilões, dependendo da forma que abordamos nossas emoções. Somos todos: “humanos”. Minhas guerras não são travadas no cenário que meus olhos enxergam, não estão ali, expostas como grandes cicatrizes em praça pública. Minhas guerras estão escondidas dentro de mim, em um lugar que só eu consigo encontrar. E minha inimiga não é a violência, o descaso e o julgamento de uma sociedade inteira; minha inimiga é a angústia que me acompanha todos os dias, que me obriga a enfrentar o dilema que é ser eu, de uma forma mais otimista e menos penosa do fardo que carrego. Então, de novo, não me venha com esse papo de “guerreira”, eu não aceitei lutar. Eu aceitei viver, e isso é bem diferente…E se quiser me chamar de algo, me chame de linda. Vai me cair bem melhor!Fui! (simplesmente viver!)
- Etéreo
Volto à superfície cada vez que escuto o seu chamado. É o olhar doce, aquele que contempla meu rosto cansado, que me faz refletir sobre a minha importância nesse espaço sagrado. É a sua forma de dizer que me ama, somente com o seu toque, tão delicado e sutil, que me enternece de nostalgia pelos anos vindouros, que ainda não chegaram, mas que já comovem meu coração ansioso. E é a sua presença etérea que me faz entender o verdadeiro significado de Deus. Ele se faz presente quando vejo em você a realização de todos os meus sonhos: os realizados e os que não concretizei. Porque em você está a resposta de tudo que foi pensado para mim; você explica o quão maravilhosa a vida é, mesmo sem nunca ter chegado no destino que eu havia planejado. Você me mostra que o primeiro, o segundo e o terceiro lugar só são especiais para quem precisa deles, ou, ainda, para quem não tem uma razão como você para explicar a importância real de cada sonho. É etéreo o contato que tenho com você, em todas as vezes em que vejo sua alegria, em todas as vezes em que percebo sua gula ou em todas as vezes em que você espera sorrindo que eu lhe repreenda, como se estivesse testando a minha capacidade em ser dura com um alguém cujo amor que sinto, transborda pela minha pele. Percebo que esse amor também é etéreo, assim como tudo que se refere à você, a nós ou ao Deus que nos juntou nesse mundo. E, todas as vezes em que eu voltar à superfície, vou admirar você em milhões de versões infinitas, em um tempo que não terminará nunca, em uma sintonia que será eterna…Fui! (agradecer…)
- Meu Mundo
No meu Mundo existem apenas algumas pessoas que sobrevivem ao caos que é viver ao meu lado. Nele estão meus amores e algumas dores que recolhi no caminho, entre sorrisos e lágrimas, entre vitórias e fracassos. No meu Mundo só entram os desamores que eu permito me lembrar, em poucos e raros momentos de nostalgia e sempre que me sinto mais enfraquecida. Porque nele eu procuro guardar só o que há de melhor na despensa da minha casa, o que há de mais doce, de mais saboroso e de mais raro sabor. O que é caro não entra necessariamente na minha lista de desejos, tem que saciar a minha fome, o que nem sempre é uma missão fácil, eu sei…No meu Mundo, meus sonhos estão enfileirados, prontos para servirem de destaque na prateleira principal; só espero a mudança de clima para trazê-los para a frente. Meus projetos vencedores também têm destaque no meu Mundo, eles adornam minhas roupas e cumprimentam o meu ego cada vez que os visto. São as memórias mais libertadoras, aquelas que me tiram o peso do “ter que” e me revelam a leveza do “já fiz”. As lembranças quentes eu revivo no meu Mundo mais particular, aquele no contorno da minha cama, embebidas pelo cheiro ácido dos desejos de quem muito me quis, ainda que por alguns poucos minutos, ou mesmo por uma vida inteira. No Meu Mundo eu sou plena de mim, em uma versão tão, mas tão ousada, que não poderia compartilhar com mais ninguém, a não ser com as minhas várias versões de mim, todas acompanhadas de um sentimento diferente, que vão do regozijo ao desgosto, mas todas vivas nesse caos particular e maravilhoso, que eu costumo chamar de vida…Fui! (para o meu Mundo…)
- Quero Ser Mais Parecida Com Você
Quanto mais o tempo passa e mais escolhas eu faço para ser diferente de você, melhor entendo que o que eu sinto não é revolta ou medo da igualdade. O que eu sinto é uma admiração profunda por você. Tão grande que não posso ser a pessoa que vai tirar você desse pedestal que eu mesma a coloquei. Não posso quebrar o encanto que me alimenta, que me inebria e incentiva. Tenho que ter você assim, intacta e vigorosa, quase uma santa cujos pecados serão sempre perdoados. Me desculpem os órfãos, os carentes de mãe e os pobres de amor, mas eu posso dizer que, de todas as escolhas que fiz nessa vida, a melhor foi feita lá atrás, quando escolhi você como minha mãe. Sou eternamente grata por saber que existe algo dentro de mim que atende pelo seu nome, que me lembra que no meu sangue ou nas minhas memórias você mora em uma casa eternamente sua. Sou melhor porque aprendo com você, nas histórias da minha infância, a ser mais forte e mais responsável. Não, na época eu não aprendi direito, mas as lembranças estão vivas o suficiente para mostrar à minha alma que ainda preciso evoluir, e muito. E vivencio todos os dias os seus ensinamentos, recebo suas bênçãos e vejo seu olhar me desejando proteção todos os dias em que estou prestes a sair de casa. Porque o passado só fica para trás com as pessoas que deixamos no caminho. Você é minha mãe; segue comigo para onde eu for... Fui! (pedir a sua bênção...)
- Será?
Às vezes, quando estou sozinha no meu canto, refletindo no mundo que me cerca, penso no que as pessoas sentirão a meu respeito. Penso se serei capaz de comovê-las com a simplicidade do meu olhar, com a vontade genuína que tenho de acertar ou com a minha presença “semi-onipotente” no meio de tanta gente mais importante que eu…Penso se serei compreendida, mesmo com tantos argumentos contra. Se serei ouvida e seguida; penso se serei reverenciada e aplaudida. Porque a vida trata muitas vezes disso: de buscarmos nossos aplausos no meio de uma multidão barulhenta. E assim, eu sigo nadando nesse mar tão confuso quanto a nossa própria história, onde buscamos nele a paz para um descanso que jamais vai acontecer ali, pois ele está sempre em movimento. Aprendemos a contemplá-lo de longe, entendendo a dificuldade que é, mergulhar nele, mas amando-o com a mesma imensidão do seu infinito.Voltando para o meu ego, transformo-o em borboletas, que sairão de mim todas as vezes em que expurgar da minha alma as falas incômodas, para transformá-las em liberdade colorida, no espaço sagrado de outra pessoa que não concorda comigo. Mas, que de alguma forma, reconhece meu talento em expor as verdades, que não são absolutas, mas que são minhas…Fui! (tentar explicar o que eu mal aprendi…)
- A expectativa é a Mãe da Merda
A maternidade é um território vasto e inexplorado, pintado por expectativas e sonhos, mas frequentemente desenhado com a crua realidade das frustrações. Antes de nos tornarmos mães, imaginamos um cenário de perfeição: bebês que dormem a noite toda, casas sempre arrumadas, refeições saudáveis preparadas com amor e tempo de sobra para nos cuidarmos. Ah, como a expectativa é a mãe da merda. Ao dar à luz, o choque de realidade é inevitável. O bebê que imaginávamos tranquilo e sorridente pode se revelar um pequeno furacão, que chora sem motivo aparente, que desafia todas as técnicas aprendidas nos livros. As noites insones, que antes eram apenas uma possibilidade distante, tornam-se uma constante. A exaustão se acumula, e a frustração cresce na mesma medida. As redes sociais não ajudam. A enxurrada de fotos de famílias perfeitas, mães maquiadas e bebês sorridentes, criam uma pressão esmagadora. Comparamo-nos e sentimos que estamos falhando, que não estamos à altura desse ideal inatingível. Mas a verdade é que, por trás das câmeras, todas enfrentam suas batalhas, todas choram escondidas no banheiro em momentos de desespero. Os conselhos não solicitados e as críticas também pesam. "Você não devia fazer isso", "Meu filho nunca fez isso", "Por que você não tenta isso?" - as opiniões vêm de todos os lados, muitas vezes minando nossa confiança e nos fazendo duvidar de nossas próprias habilidades como mães. No entanto, entre as frustrações e as lágrimas, há momentos de pura magia. O sorriso do bebê ao acordar, o primeiro "mamãe", o abraço apertado que dissolve qualquer cansaço. São esses momentos que, por breves instantes, fazem todas as dificuldades valerem a pena. Reconhecer e aceitar que a maternidade é um mosaico de altos e baixos, que nem tudo sairá como planejado, é libertador. Perfeição é um mito. Ser mãe é navegar por um mar tempestuoso, sem mapas ou garantias. É errar, aprender e recomeçar. E está tudo bem. Portanto, se permita sentir as frustrações. Fale sobre elas, compartilhe suas dificuldades, porque, no fim, somos todas parte de uma grande rede de mães imperfeitas, mas determinadas. Juntas, podemos transformar a expectativa em aceitação, e a frustração em força. A maternidade, com todas as suas merdas, ainda é uma jornada de amor e crescimento inigualável. E isso é o que realmente importa. Marcela Pagano para coluna Desabafo de Mãe Encontre-a no Instagram: @marcelapaganoinsta
- Mãe profissional
O dia que eu subi em um palco pela primeira vez para dar a minha primeira palestra. Dia em que eu quebrei um tabu e me dei conta de quantas coisas eu já fiz na vida e quantas coisas eu ainda posso fazer. Quando recebi o convite passei noites sem dormir. Me dei conta de como as nossas escolhas pessoais influenciam nas nossas escolhas profissionais e vice-versa. E assim, coloquei em uma apresentação, em diversos slides, a minha história, o meu currículo, a minha biografia. Tudo junto. Quem eu era, quem sou hoje. Misturei minha história pessoal com minha história profissional, afinal, no final das contas as coisas se misturam. Uma é consequência da outra. Escolhas pessoais influenciam nossas escolhas profissionais e vice-versa. Minha mãe me disse recentemente que sempre achou que quando eu crescesse iria me tornar uma grande executiva, uma CEO. Mas, contrariando as expectativas dela, aos 30 anos resolvi dar um tempo na vida profissional e resolvi casar e ter filhos! E mesmo eu engravidando muito rápido e com o privilégio de não precisar me preocupar com salário, meu ex-marido garantiria o nosso sustento, eu não me sentia muito confortável no papel de mãe e dona de casa, esposa. Ficava inquieta. Queria fazer mais. Estudar, aprender. Trabalhar de uma outra forma. Foi então que eu descobri o trabalho com propósito . Já que o trabalho iria tirar o precioso tempo com os meus filhos, que fosse para criar um mundo melhor para eles. E foi assim que eu descobri o meu propósito de vida: usar a minha criatividade para impactar os outros, impactar o mundo. Virei mãe e me transformei em uma profissional melhor. Durante 10 anos tive o privilégio e a sabedoria de trabalhar com a minha paixão ao lado dos meus filhos. Meu home já era office muito antes da pandemia. Estava ao lado dos meus filhos e na frente do computador. Eles cresciam e eu também! Foi uma fase de muitos aprendizados. Eles cresceram, eu me separei e achei que estava na hora de voltar a trabalhar fora de casa. Ir para um escritório, conhecer gente, colocar todas as minhas habilidades em prática e quem sabe mostrar que minha mãe estava certa: me tornaria uma executiva. Ha ha ha. Voltar ao “mercado” depois de 10 anos, separada, com 3 filhos não é um job fácil. Mas para uma mãe de 3 nada é impossível! Afinal, tenho 3 bocas, 4 contando com a minha, para alimentar. E como mãe de 3, e uma pessoa com apenas duas mãos, a gente aprende a se virar e criamos tentáculos, como um polvo, e multiplicamos o dom que as mulheres já têm de fazer mil coisas ao mesmo tempo. Trabalhar e ser mãe nos deixam mais jovens, mais felizes, mais completas, mais eficientes. Pelo menos é como eu me sinto e como quero que meus filhos me enxerguem. Hoje vejo muitas mulheres da minha idade que não tiveram este privilégio de curtir seus filhos pequenos trabalhando de casa, exaustas. Largando altos cargos para voltar para casa mais cedo. Eu fiz um caminho diferente e este caminho me abriu muitas portas e me levou para este palco e pude contar a minha história com um microfone na mão e um passador de slides! Como criativa e publicitária sempre estive do outro lado. Na concepção do projeto, na platéia, no roteiro, produção, execução, direção. Mas nunca na frente de todos. A quantidade de floral de bach que tomei antes de palestrar deve ter me ajudado (rescue #ficaadica) mas confesso que achei bem legal compartilhar a minha história e minha missão de usar a criatividade e as boas ideias para fazer um mundo melhor! Por isso, meu trabalho hoje é criar. Criar meus filhos, criar ideias, parcerias, amizades, histórias, conexões. E a satisfação de conseguir fazer algo que eu sempre tive medo, me expor, e contar a minha história publicamente foi sensacional. Um divisor de águas, como ser mãe. Tem uma frase que eu adoro que diz: Se estiver com medo, vai com medo mesmo. E eu fui. E eu consegui! E eu me diverti! E me dei conta de que a minha mãe tinha razão. Eu já sou uma CEO. CEO da minha vida. Fotografia de Osvaldo Furiatto Marcela Pagano para a coluna Desabafo de Mãe Encontre-a no Instagram: @marcelapaganoinsta
- Não Me conte Seus Segredos
Por favor, não me conte seus segredos. Mantenha-os quietos, fechados dentro de suas caixas de vidro, cuja proteção é tão hermética e, ao mesmo tempo, tão frágil… são eles, os senhores da justiça, que balançam o pêndulo da dúvida sobre a sua moral e que decidem quem pode ou não viver nesta selva de egos chamada “vida”. E somos todos nós, robôs idealizados à imagem e semelhança do próximo, sempre que esse próximo representar o que há de mais lindo. Porque não há nada melhor do que aparentar ser melhor do que você jamais foi, e ser perfeito na definição de quem procura esse “algo a mais”; não há nada melhor do que ser, simplesmente, completo aos olhos dos estranhos que rodeiam a sua vida com a intimidade de locutores de rádio, que dissipam as verdades com milhões de tons mais reluzentes que os cinzas opacos do seu acordar sonolento e cansado… Faz tempo que queria dizer a você as verdades intocadas da vida que nos acomoda em seu colo, itinerante e faceira como toda boa brisa que vem do mar gelado direto para os nossos corpos: ela nos refresca e umedece, mas não nos mostra sua verdadeira temperatura, até que entremos por inteiro no mar. Então, minha doce menina, seus segredos devem sempre ser camuflados debaixo das camadas de pó que intoxicamos nossa pele viva; devem ser contidos nos alicerces da sobrevivência servil, nos arredores desta cidade de máscaras e devem, por fim, reinar absolutos no espaço sagrado da sua mente, sempre que você conseguir atingir o sono mais profundo, onde ali, você poderá deixá-los vagar livremente na sua própria escuridão… Fui! (Visitar meus segredos…)
- Que Sorte Amar Você
Que sorte a minha ter você ao meu lado. Que sorte ser casada com o meu melhor amigo, aquele que está sempre ali, em todos os momentos em que o tédio invade os espaços sagrados da nossa vida e que transformamos em festa com a arte de rir de nós mesmos, da vida que nos cerca e nos abraça. Que sorte a minha ver estampado nos rostos desses pequenos os nossos gens, os meus mais valentes e os seus mais inteligentes. Que sorte contar com você para me ajudar a educá-los, a cuidar deles, a mantê-los firmes no caminho certo, aquele que eu mesma, às vezes, não encontro com tanta clareza. Que sorte, mas que sorte mesmo, ter você ao meu lado para aplaudir a beleza que é a minha vida, rodeada de palavras bonitas e frases de efeito, uma vida perfeita que vale a pena ser vivida porque é ao seu lado que acordo todos os dias, em anos que consagro com o valor de uma vida inteira. Que sorte a minha ter você para me olhar, mesmo quando eu mesma não quero ver a tristeza que salta do fundo da minha alma, de um passado que você não pertenceu, mas que, de alguma forma, me ajudou a conviver com ele. Que sorte ter você para amparar minhas dores, que não são tantas, mas que machucam; que sorte ter você para me curar de mim mesma, toda vez que insisto em pegar o caminho contrário, aquele que me leva ao lado mais distante da minha essência. Que sorte saber que você está aí, ao lado do telefone, esperando pela minha ligação. Sorte demais perceber que, de todos os lugares incríveis no mundo, nos quais a maioria dos meus amigos está viajando, eu preferia mesmo estar ao seu lado, seja nesses lugares, seja no paraíso da nossa cama. Que sorte amar você com toda a vontade da minha alma, que clama por um pouco mais da sua companhia, sempre que busco abrigo no corpo que cultuo com o meu mais puro querer. Que sorte a minha ser sua… Fui! (Comemorar…)
- Canção da Alvorada – * Republicada por ter ganho Prêmio de Literatura *
Em incessantes minutos eles me convidam a partir e sou levada ao extremo da minha ignorância para me ater a um segundo sem paz ou penitência. Um segundo de nada, seguido por intercaladas noites de frio que se desfazem com o anúncio da alvorada. É o remédio das almas que adormece o coração dos pecadores, que refugia o mal dentro de si e expulsa as mágoas do horizonte de quem quer ver além. É este plano que rompe o silêncio dos vivos e que transita junto a estes o bem que está à espreita, mas que só alcançamos com vontade. Parto em minutos que se cansam de esticar, em memórias oportunas de tudo o que é verdadeiro e impensado; sou forte o suficiente para levantar, mas não sei se quero seguir adiante com novos amigos a me rodear. Preciso de calma para deixar este corpo que me pede constantemente para ficar, preciso de coragem para dizer adeus e de mais um pouco de tempo para me acostumar. Na alvorada, as almas se levantam e seguem em direção ao nada, que está cheio de vida e cheio de paz, em um vasto espaço de tempo, que é inóspito e sereno. Não me nego a seguir com elas, mas escolho entrar por alguns segundos em um espaço reservado para a minha alma, um cantinho que é só meu e que esteve trancado por tanto tempo. Relembro as dores e as angústias, vejo o meu eu tão pequeno e inocente. Recolho as mazelas que ficaram pelo caminho, limpo o espaço que meus pés percorreram e percebo as marcas que ficaram na estrada. As cicatrizes que deixei em mim e nas pessoas que cruzaram o meu caminho… Não consigo enxergar além de mim, a culpa que me é cotidiana, talvez porque já esteja curada, talvez porque já não importe mais. Escondo-me neste rincão com a promessa de não fazer barulho. Tento fingir que ainda tenho tempo e que a alvorada não vai chegar tão cedo. Tento aliviar o peso das minhas pernas dentro de algum pilar sólido no sótão empoeirado da minha mente, mas o que vejo são estruturas que estão prestes a cair, em um palácio de ilusões que vai desmoronar a qualquer momento, assim que a alvorada chegar. Então, levanto-me e saio em direção a esse nada, cheio de novas oportunidades e de novas formas de fazer o mesmo. Sigo em direção à minha nova vida, do lado de lá e também aqui. Em todos os lugares possíveis, os que já percorri e os que vou percorrer. Porque agora que a alvorada chegou, não sou mais “eu” apenas. Agora sou um “eu” novo, um “eu” onipresente e eterno. Fui! (viver enquanto não chega a minha alvorada…) * Ganhadora do Prêmio “Poesia Agora” da Editora Trevo