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Sempre fui gorda?




Meu nome é Thati Machado. Sou escritora, editora, empreendedora, mulher pansexual, feminista e… Gorda. Gorda, sim. Sem eufemismos desnecessários. Como diz na minha minibiografia disponibilizada internet afora, abracei todos os rótulos que costumava rejeitar quando mais nova. Pensando no que escrever para a minha primeira coluna aqui na Maria Scarlet, decidi que precisava me apresentar e, de quebra, falar um pouco da criança que já fui. 


Não sei dizer ao certo quando foi que entendi que era gorda. Isso foi algo que ficou claro no ensino fundamental, com as agressões disfarçadas de piadas e as cantorias que entoavam “gorda, baleia, saco de areia”. Se existia alguma dúvida a respeito da forma do meu corpo, elas acabaram exatamente nesse ponto. Com o adicional da crueldade que só seres humanos em formação conseguem ter. 


Mas antes de entender que era gorda e o que isso significava, sempre me senti diferente. 

Diferente das minhas amigas, das conhecidas e das outras crianças, de uma maneira geral. E não apenas diferente, eu me sentia deslocada, fora de contexto. Olhando para trás, consigo entender que se tratava de uma percepção ainda em construção não só do meu corpo gordo, mas também da minha sexualidade. Mas naquela época, com as informações que eu tinha e a pouca idade, era impensável chegar nessa – ou em qualquer outra mais empática – conclusão.  


O entendimento de que eu era gorda veio acompanhado de muitas agressões; agressões essas que não são fruto do corpo gordo em si, mas da gordofobia e da sua naturalização na nossa sociedade.  Ficou claro que eu era gorda, e que isso automaticamente era algo ruim, quando eu não encontrava roupas do meu tamanho que fossem condizentes com a minha idade; quando não havia uniformes femininos do meu tamanho e eu precisava recorrer aos masculinos e/ou adultos; quando as outras pessoas evitavam dividir espaços e comidas comigo; quando os profissionais da minha escola eram os primeiros a fazer piada sobre o meu corpo (alô professor de educação física que fazia chacota de mim!); quando os médicos me negaram atendimento básico dizendo que se eu emagrecesse, melhoraria milagrosamente, independente dos sintomas que eu relatasse.


Dor de cabeça? Emagrece que passa. Cólicas sobrenaturais? Emagrece que passa. Sangramento muito acima do normal? Emagrece que passa. Dor nos braços? Emagrece que… Você já sabe.  


Então eu cresci assim. Achando que o problema estava no meu corpo e não na sociedade gordofóbica que nasci. Fiz dietas malucas, tentei fazer atividades físicas em ambientes onde não me sentia confortável, me sujeitei a receber migalhas tanto no amor quanto nas amizades porque a mensagem que me era passada, a todo momento, era   de que eu não era digna e devia me contentar com o que era ofertado.

“Minha mãe sempre me fala de um episódio em que o médico lhe confidenciou o que faria se tivesse um filho com o mesmo quadro que o meu: “eu me mataria”. Disse aquele que passou anos em uma faculdade estudando e se preparando para salvar vidas.”

Houve uma época em que eu emagreci muito, frequentando um grupo que pregava uma alimentação  balanceada baseada em pontos. Foi o período da minha vida mais louco porque de repente as roupas cabiam em mim, as pessoas eram mais amáveis, os médicos me elogiavam e todo mundo dizia o quanto eu estava bonita. Mas o curioso dessa história toda é que os problemas de saúde não melhoraram. Alguns pioraram até. Então essa conta começou a não fechar na minha cabeça. 


Porque veja bem… Todo médico dizia que minhas dores – fossem elas da natureza que fossem – passariam quando eu emagrecesse. E eu emagreci, mas absolutamente nenhuma dor melhorou ou me abandonou. Não era tipo um truque de mágica?! 

Foram os anos e o constante estudo que me mostraram que não é bem assim que a banda toca. Eu não culpo a menina que fui por aceitar calada e indefesa algumas das muitas agressões. Afinal, como ela poderia saber? Como ela poderia duvidar dos familiares, dos amigos, da mídia e principalmente dos médicos? Como ela poderia saber que havia outro caminho? 


A mulher que me tornei, no entanto, se orgulha de ser tudo o que é. Inclusive gorda. Assim mesmo, sem eufemismos ou justificavas. Só gorda e ponto final. 


Meu corpo é meu instrumento não só de trabalho, mas da vida. É ele quem me leva aos lugares que quero conhecer, quem abraça as pessoas que eu amo, quem me mantém de pé quando todo o resto está prestes a desmoronar. 


Meu corpo é gordo, e lindo, e amado, e político. E eu uso as palavras, as maiores aliadas que uma escritora pode ter, para que as próximas gerações não precisem passar – ou ao menos tenham como questionar – as pequenas agressões que seus corpos gordos virão a sofrer. 


E eu te convido para embarcar nessa jornada comigo.


Vamos juntas?


Thati Machado para a coluna Gorda, sim!

Encontre-a no Instagram @machadothati

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