Eu tinha milhas vencendo e resolvi realizar o velho sonho de conhecer o Instituto Inhotim, museu de arte contemporânea e jardim botânico localizado em Brumadinho, Minas Gerais. Como marquei de ir em dias de semana, e o namorado e as amigas estavam trabalhando, fui curtir sozinha esse lugar maravilhoso.
Planejei a viagem consultando sites, e deram a dica de que, chegando ao aeroporto de Confins na parte da manhã, eu poderia alugar um carro e ir direto para o Inhotim, para aproveitar todo o dia de visita por lá. Reservei uma pousada na região, para voltar um segundo dia e desfrutar do passeio ao Instituto com calma. São 140 hectares de visitação, com atrações que mesclam arte e natureza exuberantes para serem apreciadas.
Tudo certinho e planejado, cheguei às oito horas em Confins e peguei o carro. Teria, então, cerca de duas horas de viagem. Acionei o Google Maps. Destino traçado, meti o pé na estrada. Caminhões para todo lado (de todos os tamanhos), engarrafamento, obras na estrada, um tumulto. Depois de cerca de uma hora de viagem, comecei a achar que a vozinha do Maps estava me dando indicações diferentes do que eu tinha visto inicialmente.
Porque uma das desvantagens de não ter um copiloto é que você não pode consultar o mapa para ver se errou o caminho. E não é como o GPS, que te avisa que está recalculando rota, aí você sabe que fez besteira. Eu me toquei que em algum momento tinha me perdido e parei num posto para perguntar. Sim, eu estava no caminho oposto! Peguei um baita trânsito para o lado contrário, ainda por cima. Bem, suspirei, tomei um café e toca dar a volta para rumar para o lado certo.
Duas horas de viagem, a vozinha do Maps me mandou passar para o outro lado da pista: vira à direita, curva suave à esquerda, use a pista da esquerda… E olha eu na estrada de novo! Parei, olhei o mapa e, mais à frente, havia uma indicação para outra saída. Ok, pensei, deve ser o caminho. Não era. O Maps me fez voltar para onde eu estava! Parei em um posto de gasolina para perguntar, os frentistas disseram: “Ih…”. Cada um indicou um caminho diferente. Placas na estrada para indicar o caminho para um lugar superturístico, como era de se esperar, não tinha. Decidi, então, tomar em conta o sujeito que me pareceu mais seguro. Coloquei a rua que ele deu como referência no famigerado Maps e fui para mais uma voltinha na estrada para pegar o ponto de saída. Adivinha? Depois de serpentear por ruas estreitas, encontrei uma vendinha e parei para perguntar a uma moça que estava à porta. Ela pensou, consultou a mãe dela, que estava lá dentro, elas consultaram oráculos e santos, veio vizinho — mobilização total, fiquei comovida com o empenho do pessoal. Numa coisa, todos concordavam: por ali, o caminho era horrível, com estrada de terra esburacada.
"Está no nosso preconceito. Meu também, afinal, fui criada numa sociedade machista que ressalta a grande necessidade que a mulher tem de um homem para referendar seus sucessos e atitudes."
Nem pensar em ir por onde tinham me indicado. Chegaram a um veredito: eu tinha que ir para Citrolândia e de lá entrar no Inhotim. Despedidas, muitos agradecimentos, uns amores. Segui pela BR-381 pela segunda vez, até Citrolândia, quilômetro 507. Lá, botei o Maps rumo ao Inhotim. Placa na estrada: nenhuma. Vira à direita, curva suave, via paralela à estrada, passa sob o viaduto e… olha eu na estrada de novo! Entrei em desespero. Vontade de chorar.
Nessa brincadeira, eu estava dirigindo havia quatro horas. E tensa, queria chegar, só chegar, a qualquer lugar. Aí bateu o arrependimento: para que que eu tinha ido sozinha?
Ficava martelando na minha cabeça aquele velho clichê de que mulher não tem senso de direção. E eu não tenho mesmo! Devia ter seguido o conselho de uma amiga e ter contratado um motorista da região. Nem tinha cogitado, afinal, eu gosto de dirigir e dirijo bem. Mas teria sido muito mais cômodo, e eu já estaria lá. Puxa, eu me questionei, será que é isso mesmo, sou sexo frágil e tenho que ser levada? E tem o agravante de ser velha, né? Na mobilização da vendinha, a moça tinha convocado alguém dizendo: “Venha ajudar a senhora!”. Por um lado, é bom que a idade desperte um sentido de urgência na ajuda. Só que pensar nisso me fragilizava ainda mais.
Quando depois, sã e salva no hotel, contei para uma amiga este meu périplo, ela deu o veredito: “Você é maluca!”. Concordei, rimos muito, mas na hora de dormir aquele “maluca” me deu insônia. “Maluca” por que mesmo, hein? Estava viajando dentro do meu país, para um destino bem turístico… Tinha alugado um carro numa locadora, tinha celular com internet (que me deixou na mão algumas vezes, faz parte). Cadê a maluquice? Vou dizer pra vocês: está no nosso preconceito. Meu também, afinal, fui criada numa sociedade machista que ressaltava a grande necessidade que a mulher tem de um homem para referendar seus sucessos e atitudes. E nem tenho que me sentir diminuída porque falhei! Fiz tudo certo, não tenho culpa se não tinha uma mísera placa na estrada indicando o caminho, se o Maps não tinha funcionado como deveria, enfim.
Tem maluquice nenhuma aqui não! Tem uma mulher fazendo o básico, que é aproveitar a vida! E não me arrependo nem um pouco de ter ido sozinha. Mas se vocês forem visitar Inhotim, me peçam dicas (rs). Já estou experiente no que não fazer.
Ah, e querem saber como eu finalmente cheguei? Depois de passar pela terceira vez na estrada, resolvi seguir em frente. Até que encontrei o SOS Usuário na estrada, e lá me disseram que, sim, a entrada era por Citrolândia, mas que eu deveria passar da entrada principal e pegar a saída no quilometro seguinte, onde teria um restaurante enorme. Assim fiz e, depois de uns cinco minutos, eis que apareceu uma placa indicando o Inhotim! Ou seja, você precisa ser da região, ou um adivinho, para conseguir chegar.
Tinha mais placas nas estradinhas entre o Instituto e a pousada onde me hospedei — que ficava a uma hora e meia de distância do Inhotim, diga-se de passagem. Obviamente me perdi ali também, mas essa é outra história.
Ana Lúcia Leitão para a coluna 50+
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